Política
22 de set de 2010 , 15h00O risco não é de mexicanização
A percepção de que Dilma poderá ser a próxima presidente despertou os piores temores. O pavor não é de ruptura na política econômica – como em 2002 – mas de retrocesso democrático: o projeto de poder em curso levaria à mexicanizaçao do Brasil. Não é por aí, a meu ver.
De fato, é difícil reproduzir aqui os setenta anos de domínio do Partido Revolucionário Institucional (PRI) mexicano, que impunha o medo, nadava em corrupção e controlava a imprensa. O presidente escolhia o candidato à sua sucessão e utilizava a máquina pública para tolher a oposição. Elegia todos os governadores.
Perguntará o leitor: o mesmo não está acontecendo no Brasil? Lula escolheu a candidata, usou o governo para popularizá-la e participou ostensivamente da campanha, sem ligar para a lei nem para a liturgia do cargo. Há indícios de corrupção e intenções de controlar a imprensa.
Haveria também uma estratégia para aniquilar a oposição. “Nós precisamos extirpar o DEM da política brasileira”, disse Lula. O presidente se esforça para que a sucessora tenha um Senado dócil, que não a contrarie. Talvez para restabelecer a CPMF.
Na campanha, a desfaçatez atingiu o impensável. No Dia da Independência, Dilma se excedeu na desconstrução dos antecessores de Lula. Sem se preocupar com o papel de D. Pedro I, ela afirmou que a verdadeira independência veio com o pagamento da dívida com o FMI.
Para ela, “ninguém respeita devedor. Será? Quem não respeita os Estados Unidos, o maior devedor do mundo? Quanto à antecipação do pagamento ao FMI, outros países, dispondo das mesmas condições, fizeram o mesmo: Argentina, Equador, Indonésia, Rússia, Venezuela, Zimbábue e até o pobre Haiti.
As declarações de José Dirceu assustaram. Para o ex-ministro, “a eleição de Dilma é mais importante do que a de Lula porque é a eleição do projeto político, porque a Dilma nos representa”. Seria o retorno das insensatas ideias econômicas do PT?
Felizmente, há muitas diferenças entre nós e o México dos tempos em que o PRI mandava e desmandava. A oposição pode eleger governadores de estados que representam mais de 40% do eleitorado. O Judiciário não é submisso. A imprensa é “livre, independente, competitiva e agressiva”, como disse a revista The Economist.
A imprensa consolidou seu papel de fiscalizar os atos do governo, de defesa da democracia e de canal de denúncia de malfeitorias, particularmente o patrulhamento recente do estado e a corrupção. É pouco provável que as alas radicais do PT e a área de comunicação do governo concretizem seus piores instintos e consigam amordaçá-la.
O Brasil construiu instituições inibidoras do populismo econômico e do autoritarismo. Como ensina Douglass North, as instituições incluem as regras formais e as informais como as crenças, os valores, as convenções e os códigos da sociedade. A imprensa é parte delas.
A gestão da economia se tornou mais transparente e previsível. A sociedade valoriza a estabilidade de preços. Dada a disciplina de mercado, o governo se contém em relação a medidas que arruínem a confiança e provoquem inflação, que corrói a renda dos trabalhadores e destrói a popularidade. Seria suicídio político.
Os investimentos em curso no setor privado e os relacionados aos grandes eventos esportivos e à exploração do petróleo do pré-sal podem viabilizar certo nível de crescimento no próximo quadriênio, mesmo sob um ambiente internacional não tão favorável quanto o prevalecente na era Lula.
O dinamismo, contudo, dificilmente será o mesmo. A ausência de reformas estruturais e o aparelhamento do estado – que tendem a se repetir com Dilma – cobrarão seu preço. A economia tende a perder ritmo, o que pode gerar pressões para interferir no Banco Central para baixar a taxa de juros e desvalorizar o câmbio a qualquer preço.
Se ações desse tipo acontecerem, a inflação voltará e a recessão baterá à porta. A popularidade do governo despencará. Sem retrocesso democrático, a oposição, caso seja refundada, ganhará as eleições de 2014 com o desafio de reverter a situação.
O risco não é de mexicanização, mas de perda, ainda que temporária, de conquistas da sociedade. Que Dilma dissipe esse risco, se de fato vencer.