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Política

16 de dez de 2015 , 21h40

O que pode o ministro da Fazenda

O que pode o ministro da Fazenda

É grande a distância entre o imaginário e a realidade dos poderes de um ministro da Fazenda. No Brasil, acredita-se que ele pode, sozinho, cortar gastos e promover o desenvolvimento. É um equívoco de origens ibéricas, dos tempos do absolutismo português.

Antiga em outras plagas, a prévia autorização legislativa para realizar ou cortar despesas públicas foi regra introduzida na esteira de três grandes revoluções: a Gloriosa inglesa (1688), a Americana (1776) e a Francesa (1789).
Por aqui, até os anos 1980, o Congresso aprovava a menor parcela dos gastos. A maior era decidida pelo Executivo, como no caso dos gastos do esdrúxulo Orçamento Monetário (OM) e da Previdência. No OM, eram autorizadas despesas relativas a subsídios à agricultura e às exportações, ao custeio de vários órgãos públicos e à estocagem de café, açúcar e outros produtos rurais.

O ministro da Fazenda detinha, então, poderes típicos de um monarca medieval. Como presidente do Conselho Monetário Nacional (CMN) – que aprovava o OM e a expansão da dívida pública federal –, ele podia, na prática, autorizar gastos públicos.

Tudo isso mudou na década de 80, com as medidas que aboliram a “conta de movimento” do Banco do Brasil e as funções de fomento do Banco Central, pelas quais fluíam despesas sem qualquer autorização do Congresso. Em 1988, o OM foi extinto. O Orçamento da União tornou-se o centro único da despesa pública.

Infelizmente, a cultura autoritária permaneceu, e piorou com o PT no governo. Rios de dinheiro do Tesouro desaguaram nos bancos oficiais (perto de 10% do PIB!). Foram ressuscitados a “conta de movimento” e os subsídios sem autorização legislativa. A brecha, descoberta pelo ministro da Fazenda da época, precisa ser fechada de vez.

Apesar dos avanços, muitos ainda pensam que o ministro da Fazenda tem poderes autoritários. O atual ocupante do cargo, Joaquim Levy, é conhecido como “mãos de tesoura”, epíteto que ganhou quando chefiava a Secretaria do Tesouro Nacional. A impressão é de que ele cortava gastos como se fosse um funcionário que detinha poderes exclusivos do Congresso.

Ledo engano. Levy apenas adiava desembolsos, o que se tornava possível diante da interpretação de que o Orçamento é autorizativo. Por essa distorção, o governo cumpre o que quiser; algo impensável em países que levam a sério o Orçamento, o qual, sendo uma lei, deve ser impositivo.

O adiamento (e não o corte) para cumprir metas virou costume após o desastre fiscal da Constituição de 1988. A prática gera desperdícios e ineficiências com a interrupção de obras públicas e outros programas.

A ideia de que o ministro da Fazenda tem poderes autoritários persiste. Nos boatos sobre a demissão de Levy, falou-se que seu eventual substituto, Henrique Meirelles, teria exigido poderes para indicar o ministro do Planejamento e o presidente do Banco Central. Muitos gostaram, entendendo que Meirelles, feito ministro, teria carta branca para mandar na política econômica, fazer e acontecer. Nada mais falso.

Durante a crise da zona do euro, muitos países realizaram ajustes fiscais associados à assistência financeira do FMI, do Banco Central Europeu e de fundos da União Europeia. A decisão dos cortes de gastos coube aos respectivos parlamentos, e não à “tesoura” de ministro da Fazenda.

Ministros da Fazenda são figuras centrais em crises econômicas. Muitos ficaram famosos por comandar ajustes que salvaram seu país do colapso econômico. Ocorre que seu papel, particularmente nos países institucionalmente avançados, não é cortar gastos a seu talante. A aprovação das respectivas propostas depende da liderança do chefe do governo e da maioria de votos no Parlamento.

No Brasil, o ministro pode contribuir para piorar as instituições e a política econômica, como se viu no primeiro mandato de Dilma, em que ocorreu esbanjamento de recursos com desonerações, desmonte de instituições fiscais e contabilidade criativa. Construir e ajustar é difícil, e não depende somente da vontade do ministro.

Levy tem feito o que pode, inclusive atuando como articulador político, o que não se espera do titular do cargo. Um sinal destes tempos estranhos de hoje…

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