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Economia

18 de fev de 2007 , 19h02

O pouco entedido Banco Central

O pouco entedido Banco Central

Como esperado, o PT fez duras críticas ao Banco Central na reunião de Salvador. Os mercados não se abalaram, pois sabem que nessa matéria o PT não cheira, não fede e não mete medo. Lula já provou que a racionalidade será mantida. O ataque pode dificultar a aprovação da autonomia formal do BC neste governo e influenciar aqui e ali os mercados futuros de juros, mas não passa disso. Os petistas podem se consolar: muitos políticos, certos empresários e comentaristas tampouco entendem para que serve o BC.

Os bancos centrais contemporâneos resultam de uma evolução institucional de mais de três séculos, iniciada no século 17 com a criação do Banco da Suécia (1668) e do Banco da Inglaterra (1694). O objetivo desses bancos era gerir as finanças públicas e suprir o público de moeda. O primeiro Banco do Brasil (1808) se tornou o terceiro da lista. Foi fundado basicamente para fornecer moeda divisionária e assim dinamizar o comércio local.

O Banco da Suécia e o Banco da Inglaterra viraram bancos centrais clássicos, hoje formalmente independentes. O Banco do Brasil evoluiu para uma forma híbrida, com funções de banco comercial e banco central. Além de oferecer empréstimos e outros serviços bancários, o BB cuidava também do redesconto, da fiscalização bancária, do câmbio e do depósito das reservas dos bancos privados. Essa singular situação lhe permitia operar sem limites e a juros muito baixos. Transferia aos seus clientes os benefícios da senhoriagem da emissão de moeda, que deveriam caber ao Tesouro.

O BB resistiu por décadas à criação do Banco Central. Sempre que o tema aparecia, mobilizava políticos e empresários – os grandes beneficiários de seus empréstimos – e defendia a institucionalização do arranjo híbrido. Quando ficou difícil manter o assunto à distância, o governo estabeleceu a Superintendência da Moeda e do Crédito – Sumoc (1945) com a missão de preparar a criação do BC. Por isso, fomos um dos últimos países a instituir o banco central (1964). A Argentina já o possuía desde 1935.

O BC também evoluiu para um híbrido. A hegemonia dos interesses ruralistas no Congresso conferiu-lhe funções de banco de fomento. O BC concedia repasses e refinanciamentos para apoiar a agricultura e a agroindústria. Ao mesmo tempo, o Conselho Monetário – CMN tabelava a taxa de juros de todos os bancos. A rigor, o BC chegava a se preocupar mais com o desenvolvimento do que com a estabilidade da moeda e o aprofundamento da atividade bancária.

No novo arranjo, o BB perdeu as funções de banco central, mas ampliou sua capacidade de expandir as operações de empréstimo. Por um erro na implementação da reforma bancária, o CMN passou a supri-lo de recursos para promover o desenvolvimento, por intermédio da “conta de movimento” do BC, pela qual o BB era suprido automaticamente de fundos. Estes provinham das emissões de moeda e do endividamento público.

Este arranjo foi uma das causas da alta persistente da inflação, que se manifestou no final dos anos 1970 e desaguou no processo hiperinflacionário dos anos 1980. Enquanto durou, tal esquema institucional dava a sensação de que o BC e o BB eram grandes alavancas do desenvolvimento. Muita gente ainda pensa assim.

Reformas da segunda metade dos anos 1980 separaram o BC, o BB e o Tesouro, pondo fim às relações promíscuas que na prática transformavam os três em uma entidade única. A “conta de movimento” e as funções de fomento do BC foram extintas. Em 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal foi o ponto culminante desse processo. Tudo mudou.

A contribuição de um banco central moderno para o desenvolvimento consiste em ações para formar o ambiente de estabilidade macroeconômica. Não lhe compete, nem aqui nem na Conchichina, promover diretamente o crescimento, menos ainda via fixação voluntarista de uma taxa de juros conveniente para a expansão da economia ou de uma determinada taxa de câmbio.

Passados mais de quarenta anos da criação do BC e vinte anos das reformas que o transformariam em um banco central moderno como outros, a maioria ainda não entendeu que suas funções nobres são as de defesa da estabilidade da moeda e do sistema de pagamentos da economia, incluindo a função de emprestador de última instância para o sistema bancário. A responsabilidade direta pelo crescimento econômico sustentado é de outros.

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