COLUNAS

22 de out de 2022 , 20h16

O novo coronelismo

O novo coronelismo

A velha prática ressuscitou com o orçamento secreto

O orçamento secreto acarretou duplo retrocesso: (1) a piora na alocação de recursos públicos e (2) a afronta ao jogo eleitoral e à democracia. É a versão moderna do coronelismo, um fenômeno da República Velha (1889-1930) que envolvia ações voltadas para o equilíbrio federativo e minava a representação política. A origem do nome está na Guarda Nacional do Império. Pessoas influentes recebiam patentes militares – como a de coronel – para exercer posições de comando na corporação.

O coronelismo funcionava por meio de tráfico de influência e corrupção. Latifundiários e oligarcas lideravam campanhas e fraudes eleitorais. Em troca do voto de cabresto, ofereciam alimentos, remédios, vagas em hospitais, empregos e até dinheiro vivo. Poucos se elegiam sem seu patrocínio. O fenômeno baqueou sob o efeito do voto secreto (1932), mas sobreviveu em regiões menos desenvolvidas. Praticamente sumiu com a redução da pobreza proporcionada pelo programa Bolsa Família.

Nestas eleições, o coronelismo renasceu de outra forma. A revista Piauí mostrou que partidos do Centrão distribuíram mais de 6,2 bilhões de reais do orçamento secreto para reeleger pelo menos 140 parlamentares. O PL, do presidente Bolsonaro, reconduziu sessenta deputados utilizando 1,6 bilhão de reais de emendas. Segundo o jornal O Globo, dez dos treze deputados beneficiados com verbas acima de 100 milhões se reelegeram com mais votos do que em 2018. O presidente da Câmara, Arthur Lira, destinou 492 milhões de reais, o maior valor entre os parlamentares, a sua base eleitoral. Foi o deputado mais votado de Alagoas.

No coronelismo, a corrupção e o clientelismo constituíam a fonte do poder que beneficiava candidatos a cargos eletivos. O processo eleitoral e a democracia eram enodoados pela atuação deletéria desses indivíduos. A competição política era desigual em favor dos que recebiam seus favores. Agora, esse papel passou a ser exercido, de certa forma, pelos que têm acesso ao orçamento secreto. Naqueles tempos, os donos do poder buscavam disfarçar a origem de sua influência. Agora, os donos do orçamento secreto o defendem publicamente, disfarçando-o de benefícios aos municípios. E até ameaçam torná-lo dispositivo constitucional se o Supremo Tribunal vier a reconhecer sua inequívoca inconstitucionalidade.

O processo orçamentário brasileiro foi modernizado na segunda metade da década de 80 com reformas que, entre outras, extinguiram a conta movimento do Banco do Brasil, aboliram o Orçamento Monetário (duas fontes ilegítimas de gastos públicos) e criaram a Secretaria do Tesouro Nacional. Muitos, como este escriba, têm pugnado por novos esforços de modernização, que deveriam incluir a substituição da defasada Lei 4.320, de 1964, que estabeleceu as regras atuais do Orçamento. Ninguém poderia imaginar que haveria a marcha à ré do orçamento secreto e, pior, a deterioração da democracia. É hora de lutar para que se extinga essa aberração institucional.

 

Publicado em VEJA de 26 de outubro de 2022, edição nº 2812

Por Maílson da Nóbrega Atualizado em 21 out 2022, 13h07 – Publicado em 22 out 2022, 08h00

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