O nó fiscal não foi desatado
O desafio é reduzir as despesas obrigatórias
O arcabouço fiscal, prestes a ser aprovado pelo Senado, estabelece um limite anual para o crescimento real da despesa federal, de 2,5% ao ano, o que é positivo, mas dificilmente reduzirá a relação entre a dívida pública e o PIB, uma condição essencial para o equilíbrio macroeconômico e o crescimento. As projeções de superávit primário e sobre essa relação são muito otimistas. Continua elevado o risco de grave crise da dívida pública.
Cumprir as metas de superávit primário dependerá de forte aumento da receita ou de crescimento excepcional da economia, o que parece difícil. Em condições normais, o ajuste se faria por cortes da despesa, mas nesse campo o Brasil deixou de ser normal.
De fato, a margem para ajuste é quase nula e tende a diminuir. Os gastos obrigatórios tendem a se expandir em ritmo superior ao do crescimento da economia. Salários, Previdência, saúde, educação e programas sociais perfazem mais de 90% dos gastos primários federais, que excluem os encargos financeiros. Dispõe-se de menos de 10% do Orçamento para gastos discricionários: ciência e tecnologia, cultura e outros. No mundo, a margem é de 50%, em média.
A economia não tem futuro sem a redução da proporção de gastos obrigatórios, mas o atual governo, alheio a esse drama, não tem liderança nem disposição para agir. Ao contrário, busca acelerar as despesas obrigatórias mediante aumentos reais do salário mínimo, os quais impactam os benefícios previdenciários, que, por seu turno, representam metade dos gastos primários da União. Não há nada sequer parecido no mundo. Além disso, defende um piso e a elevação dos investimentos, e promete elevar gastos com defesa.
O país carece de líderes capazes para mobilizar a sociedade e o sistema político em prol da redução da rigidez do Orçamento da União. Os parlamentares ainda não se conscientizaram de que os gastos obrigatórios castraram sua prerrogativa para definir prioridades e autorizar gastos em prol de políticas públicas pró-crescimento econômico, bem como aquelas favoráveis à urgente redução de desigualdades e à diminuição da pobreza. Eles não perceberam quão ridículo é influenciar menos de 10% do Orçamento federal.
Os gastos com educação e saúde são determinados por percentuais da arrecadação de impostos e não com base nas suas necessidades e nas possibilidades do país. Trata-se de forma equivocada de definir prioridades. Nenhum país bem-sucedido adota essa prática. Além disso, o Brasil despende anualmente em educação 6,3% do PIB, mais do que os 5,8% do PIB dos países ricos da OCDE. Mesmo assim, a qualidade da educação é, como se sabe, lamentável.
Essa grave situação tem permanecido intocada. Além disso, tem se agravado desde a Constituição de 1988. A exemplo do que aconteceu em outras ocasiões, as regras do arcabouço fiscal ignoraram essa preocupante realidade. Sem atacá-la, o Brasil tem um encontro marcado com grave e desestabilizadora crise fiscal. Será uma questão de tempo.
Por Maílson da Nóbrega Atualizado em 16 jun 2023, 10h26 – Publicado em 16 jun 2023, 06h00
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Publicado em VEJA de 21 de Junho de 2023, edição nº 2846