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Política

1 de jul de 2009 , 12h55

O incrível Lula

O incrível Lula

Sabia-se que Lula apoiava o trabalho do Banco Central, mas não de forma tão explícita quanto na sua recente entrevista à Reuters. “O Banco Central tem que fazer as coisas que precisam ser feitas, no momento certo. Não tem que ficar atendendo apelos eminentemente políticos”, disse o presidente.

É difícil ver um político brasileiro com tão aguda percepção do tema. Muitos defendem a baixa voluntarista da taxa de juros. Outros afirmam que o BC pune a atividade econômica.

A posição de Lula chama mais atenção quando se considera que ele prometia mudar a política monetária. Eleito, convidou um banqueiro para presidir o BC e afastar temores de que cumpriria a promessa. Henrique Meirelles, o escolhido, formou sua diretoria com pessoas qualificadas, as quais noutros tempos Lula chamaria de neoliberais.

O país muito deve a essa corajosa decisão, que é mantida malgrado as pressões de seu partido, economistas e quejandos. Que o digam as reiteradas resoluções do diretório nacional do PT. O Ministério da Fazenda se juntou aos críticos depois que Antonio Paloci saiu. Lula não se abala. Em vão, assessores vazam informações de que ele não tolerará essa ou aquela decisão do BC.

No mundo desenvolvido, os bancos centrais cumpriram uma missão que parecia impossível, qual seja a de reduzir indesejáveis variações do PIB. Entre 1982 e a crise atual, os EUA viveram apenas duas recessões. Antes, elas ocorriam a cada três ou quatro anos. Como se viu das recentes propostas de re-regulação nos EUA e na Europa, a autonomia desses bancos será preservada ou reforçada.

Bons resultados aconteceram em outros países ricos. Esses 25 anos de crescimento com inflação baixa ficaram conhecidos como a Grande Moderação. A transparência, a credibilidade e a previsibilidade dos bancos centrais constituíram elementos fundamentais. Nos anos 1990, foi a vez dos países emergentes hoje bem sucedidos, cujos bancos centrais também se tornaram autônomos.

Na maioria dos países desenvolvidos, a autonomia não vinha da lei, mas de condições políticas – particularmente a intolerância à inflação – que inibiam ingerência do governo na política monetária. Somente nos EUA e na Alemanha a autonomia era formal. Nos países que aderiram ao euro, a lei decorreu do tratado de Maastricht (1992). No Reino Unido e no Japão a autonomia legal é mais recente: 1997 e 1998, respectivamente.

Durante muitos anos, se pensou que o BC brasileiro precisava de uma lei para ser autônomo. A prática veio mostrar que esse status pode ser alcançado mediante adequadas condições ambientais. A realidade se impõe, como no governo Lula. A autonomia formal é inútil sob instituições débeis. O banco central de Zimbábue é autônomo por lei desde 1995, mas isso não impediu o desastre da hiperinflação.

A resistência do Brasil à crise internacional se deve essencialmente às mudanças institucionais e mentais anteriores a Lula, que contribuíram decisivamente para o mais longo período de estabilidade macroeconômica desde o pós-guerra. Se, todavia, o presidente tivesse nomeado uma diretoria do BC submissa às idéias econômicas do PT estaríamos em situação periclitante neste momento. Ele não teria sido reeleito.

No atual governo, a continuidade da política monetária permitiu que a credibilidade do BC se firmasse internamente e seu prestígio se espalhasse além fronteiras. Lula chegou ao ponto de atribuir a condição de ministro ao presidente do banco, como forma de desestimular ações inconsequentes do Ministério Público e, assim, evitar danos à confiança de que precisa gozar a instituição.

Na mesma entrevista, Lula deixou claro que o BC tem autonomia. “Na hora em que tomam uma decisão, eles precisam ficar confortáveis e não perderem a seriedade junto à opinião pública”. Sobre a Selic, declarou: “não dou palpite e não quero que o número seja político nunca”.

Lula merece muitas críticas, mas não na área monetária. Aqui, ao não promover a ruptura que pregava, ele contribuiu decisivamente para a consolidação das nossas instituições econômicas. No futuro, se um governante der uma ordem ao BC para baixar os juros, poderá pagar alto custo político. Daí o forte incentivo para não fazê-lo.

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