O incompreendido Banco Central
A dificuldade der entende seu verdadeiro papel na economia
Por aqui, nunca se entendeu bem o papel de um banco central. Durante anos, suas funções cabiam ao Banco do Brasil. Fomos um dos últimos países a criá-lo (1964). Outras nações próximas estabeleceram seus bancos centrais muito antes: Colômbia (1923), Chile (1925), México (1925), Equador (1927), Bolívia (1928), Peru (1931), Argentina (1935).
O papel do Banco Central (BC) é zelar pela estabilidade da moeda e do sistema financeiro, sem o que a inflação sobe e a oferta de crédito torna-se insuficiente e cara. O BC controla dois instrumentos – a liquidez da economia e a taxa básica de juros – que podem ser manipulados por governos populistas para fazer o PIB crescer de forma irresponsável.
O líder do PT na Câmara, José Guimarães, disse que “as autoridades monetárias têm que contribuir com aquilo que saiu das urnas”. Por aí, o BC deveria atrelar a política monetária aos programas e à vontade do seu partido. Guimarães e outros líderes petistas não compreendem como funciona um banco central, que precisa ser um órgão de Estado, não de governo, e dispor de autonomia operacional para decidir. Todos os países ricos têm BCs independentes. Seus dirigentes podem, assim, resistir a pressões de demagogos para baixar a taxa de juros sem causa.
No Brasil, temos assistido a ataques ao BC e a seu presidente, não raramente em termos grosseiros. Sempre que pode, o presidente Lula diz que a taxa Selic de 13,75% “não tem a menor justificativa” porque, assegura, “a inflação não é de demanda”. Deveria informar-se melhor. Já tivemos inflação de oferta causada pela pandemia, pela guerra na Ucrânia e por fenômenos climáticos, mas ela está praticamente dissipada. Agora, a inflação é de demanda. Basta ver a alta dos preços dos serviços, de 7% nos últimos doze meses.
Essas falas podem decorrer de dificuldade de aprender ou da busca por um bode expiatório a quem culpar pela frustração de promessas irrealistas de crescimento da economia. Prefiro acreditar que Lula se enquadra na segunda hipótese, pois é difícil admitir que, tendo exercido de forma bem-sucedida a Presidência, seja tão desinformado. Máxima ironia, no início do primeiro mandato, ele ficou quieto quando o BC fixou a taxa Selic em 26,5%.
Ainda há grossa ignorância nesse campo. Um importante membro dos primeiros governos de Lula afirmou que aumentos da Selic feriam a lógica econômica. Não seria aceitável que o BC pudesse aumentar a despesa do próprio governo (o aumento dos juros da dívida pública). Não percebia que esse é o preço a pagar para enfrentar surtos inflacionários, tanto aqui como em outros lugares.
Taxa de juros é assunto técnico, que costuma ser deixado à responsabilidade de especialistas. Os BCs podem errar, mas acertam na quase totalidade das vezes. A liturgia do cargo recomenda que presidentes, vice-presidentes e ministros se recusem a palpitar sobre o assunto. Infelizmente, ainda não galgamos esse patamar, como se tem visto por aqui nestes momentos complicados.
Publicado em VEJA de 24 de maio de 2023, edição nº 2842
Por Maílson da Nóbrega Atualizado em 19 Maio 2023, 19h01 – Publicado em 20 Maio 2023, 08h00
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