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16 de jan de 2019 , 11h39

O governo não é supermercado

O governo não é supermercado

Durante muitos anos, poucos tinham a percepção da origem do dinheiro do governo. Agora, a maioria depreende que os recursos do Orçamento vêm dos impostos pagos pelos contribuintes. Ao mesmo tempo, todavia, passou-se a considerar o governo como uma espécie de supermercado, ao qual pagamos impostos em troca da prestação direta de serviços públicos. Não é bem assim.

Muitas das atividades do governo são intangíveis, isto é, não perceptíveis como tal. O Banco Central realiza despesas com o objetivo de assegurar inflação baixa e sob controle, o que é fundamental para o bem-estar da sociedade, mas esse serviço não é levado em conta nessa troca.

As Forças Armadas preservam nossa soberania. As instituições de defesa da concorrência e da regulação, que coíbem o domínio do mercado por monopólios e oligopólios, são essenciais para o melhor funcionamento da economia. Nenhuma dessas funções é tida como prestação de serviços aos contribuintes.

Veja-se o programa Bolsa Família. Suas despesas superam os impostos pagos pelos beneficiários quando as famílias assistidas compram, por exemplo, alimentos, vestuário e calçados. A diferença é coberta pelos contribuintes, que, sem se dar conta, prestam solidariedade aos pobres.

Na Previdência, as despesas do INSS e dos regimes do setor público acarretam um déficit anual de mais de 300 bilhões de reais. O rombo é coberto pelos impostos pagos por todos para financiar aposentadorias e pensões, mas o benefício vai apenas para os respectivos segurados.

Um terço da arrecadação serve para pagar juros da dívida pública. Não há benefício direto ao contribuinte. A dívida representa o acúmulo de anos de déficits fiscais que permitiram a prestação de serviços no passado.

No excelente livro Apelo à Razão — A Reconciliação com a Lógica Econômica, Fabio Giambiagi e Rodrigo Zeidan mostram, na página 106, como é equivocado dizer que “pagamos impostos exorbitantes para não receber nada em troca”. O livro é muito mais do que isso. Ensina a não flertar com o populismo, a entender nossas mazelas e a evitar o abismo, mas também a contestar didaticamente visões erradas como essas.

Fabio Klein, especialista em contas públicas da Tendências Consultoria, empresa da qual sou sócio, identificou no Orçamento da União os gastos com funções tangíveis, isto é, passíveis de compreensão: previdência e assistência social, educação, saúde, segurança pública, cultura, habitação e gestão ambiental, entre outras. No total, eles atingem cerca de 40% das despesas. Assim, algo como 60% dos gastos federais não se relacionam com serviços prestados diretamente pelo setor público. Nem por isso deixam de ser relevantes e necessários.

Afirmar que os serviços públicos não podem corresponder diretamente aos impostos pagos não significa aceitar que eles têm boa qualidade. Há que demandar a melhoria da gestão e a avaliação sistemática desses serviços em vez de imaginar que o governo é um supermercado.

Publicado em VEJA de 16 de janeiro de 2019, edição nº 2617

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