Economia
6 de abr de 2011 , 13h30O fascínio dos salários
Fabio Giambiagi, que há muito se dedica a apontar os graves problemas estruturais do nosso sistema previdenciário, diz que “o salário mínimo exerce um fascínio compreensível sobre a classe política, que visualiza no aumento de seu valor um sinal de preocupação com a melhor distribuição de renda.”
Na verdade, o fascínio se estende a qualquer aumento de salário, que é visto como fonte de desenvolvimento. Por ignorância ou demagogia, a maior parte dos políticos costuma desconsiderar os efeitos nefastos de uma política salarial dissociada dos ganhos de produtividade.
Entre os anos 1950 e 1980, governos latino-americanos prometiam redistribuir renda via aumentos reais de salários, isto é, acima da inflação. Seria uma espécie de roda da felicidade. Mais salário reduziria desigualdades e geraria mais consumo, mais atividade econômica, mais emprego e assim por diante.
Os casos mais dramáticos foram os da Argentina (anos 1950 e 1970), do Chile (anos 1970) e do Peru (anos 1980) com Juan Domingo Perón, Salvador Allende e Alan Garcia, respectivamente. Nos três, a inflação explodiu e solapou a renda dos trabalhadores, ironicamente os supostos beneficiários dessas políticas.
Aumentos reais de salários são desejáveis quando associados à produtividade. Desse modo, os ganhos de renda não elevam o custo unitário do trabalho nem provocam pressões inflacionárias. Em caso contrário, o custo unitário se amplia e quando a economia se aquece ele é transferido aos preços.
Acontece então a chamada “espiral preço-salário”. A inflação surge e em seguida se acelera diante de sucessivas demandas de “reposição de perdas”. O assalariado jamais vence a corrida, perde renda e se torna vítima da ilusão vendida por políticos e líderes sindicais.
As políticas de “redistribuição de renda” mediante aumentos salariais acima da produtividade provocaram graves surtos inflacionários, desorganizaram a economia e trouxeram o caos social. Na Argentina e no Chile, contribuíram para o advento de sangrentas ditaduras.
A percepção de que a produtividade constitui, no longo prazo, a principal fonte de melhora da renda dos trabalhadores esteve ausente dessas políticas. No curto prazo, aumentos nominais de salários desatrelados da produtividade geram a mesma sensação, mas logo dão errado.
Apesar dos fracassos dessas políticas e das lições deixadas por exemplos trágicos, o fascínio permanece. Veja-se o artigo do bem intencionado presidente da Câmara, deputado Marco Maia, na Folha de S. Paulo(1/3/2011), em que comemorou a atual política de elevação do salário mínimo.
Para ele, “ao valorizar os salários, o Brasil aposta no poder de consumo de seu povo para aquecer o mercado, estimular a produção e o empreendedorismo e provocar a geração de mais empregos. Fica para trás o conservador conceito de que o aumento dos salários gera inflação.” Se fosse simples assim, não haveria país pobre.
A política de valorização do salário mínimo teve início no governo FHC e se justificou por um tempo, pois havia perdido substância nos anos de alta inflação. Lula continuou e acelerou a política sem olhar para suas consequências. Entre 1995 e 2010, o mínimo cresceu 121,8% acima da inflação.
Ocorre que o mínimo reajusta dois terços do número de benefícios previdenciários e assistenciais, e 40% dos respectivos gastos totais. Os seus efeitos perversos nas finanças públicas e em outras áreas estão descritos na excelente obra que Giambiagi escreveu com Paulo Tafner (Demografia: a ameaça invisível, de 2010).
Pela atual política, o mínimo aumentará 14% em 2012, com gastos adicionais de cerca de R$ 25 bilhões, não cobertos pelo esperado aumento de arrecadação. Ao longo dos últimos dez anos, as respectivas despesas adicionais explicam a maior parte do aumento da carga tributária, de 32% para 35% do PIB. Isso é completamente insustentável.
Dificilmente os políticos mudarão de ideia sobre salários, mas o Executivo precisa ter a coragem de rever a política suicida de valorização do mínimo e desvinculá-lo do piso previdenciário. Afinal, já não são pobres 80% dos trabalhadores que recebem o mínimo nem 92% dos indivíduos que auferem benefícios previdenciários.