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Economia

3 de fev de 2008 , 21h37

O equívoco das vinculações

O equívoco das vinculações

O atraso institucional nas finanças públicas é uma das muitas razões que explicam o menor desenvolvimento da América Latina em relação aos países anglo-saxônicos. Nestes, a eliminação do absolutismo tornou previsíveis a tributação e os gastos públicos, contribuindo para forjar o sistema capitalista e enriquecê-los. Nos países latino-americanos, prevaleceram o patrimonialismo e a manipulação do orçamento público.

Tributação adequada e alocação eficiente dos gastos, inclusive nos programas sociais, contribuem para o desenvolvimento. No Brasil, convivemos com uma excessiva e distorciva carga tributária, cujas regras podem ser mudadas de forma imprevisível e em alguns casos, como o do IOF, por decreto.

Nos países avançados, o orçamento é a lei mais importante. Previne o arbítrio e estabelece prioridades. Ao aprová-lo, o parlamento terá cumprido sua principal função e por isso entra em recesso. Daí por que o início do exercício fiscal no Hemisfério Norte coincide com o verão, período de férias. Aqui, orçamento coincide com o ano-calendário porque o verão começa em dezembro.

No Brasil, se diz que o orçamento é “autorizativo”, uma interpretação para além de esdrúxula. Assim, um decreto de programação pode modificar as prioridades definidas em lei.

Aqui se admite e se demanda a vinculação de receita a despesa. A educação recebe 18% dos impostos federais e 25% dos estaduais e municipais. Para Stephen Kanitz “imposto criado sem destinação é convite à malversação e à gastança e permite sonegação de serviços públicos acordados em lei” (Veja, 30/1/2008).

Os secretários da Saúde defenderam um imposto específico, no que foram apoiados pelo ministro da Saúde. Pasmem, o ministro da Fazenda também concordou. Seria para compensar a perda da CPMF e “garantir” recursos para ações de saúde.

A vinculação da CPMF à saúde foi um truque na época de sua criação. A arrecadação era necessária para cobrir as despesas normais (inclusive as da saúde) e as que foram aumentadas pela Constituição. Para a equipe econômica, seria mais palatável se dissesse que os recursos iriam para a saúde. O ministro da Saúde da época, um homem sério e de grande credibilidade, aderiu. Sua apaixonada defesa da CPMF gerou a equivocada impressão de que foi ele o seu criador.

A ideia de vincular receita a despesa é consequência do poder de arbítrio do Executivo. Como a Fazenda pode cortar gastos ao seu talante, fica a sensação de que prejudica a educação e a saúde (e agora a segurança). A desinformação cria no imaginário a impressão de o governo prefere pagar juros e a dívida interna e externa.

Com a vinculação, busca-se “proteger” esses setores da “insensibilidade” da equipe econômica. Kanitz afirma que os economistas são “normalmente a favor da desvinculação de receitas”, pois isso “facilita a vida deles e aumenta o poder do ministro da Economia”. Na verdade, a desvinculação não pode ser considerada idéia exclusiva de economistas. Qualquer um pode entender. Basta estudar bem o assunto e aprender.

A experiência mostra que a vinculação tem inúmeros defeitos. Do ponto de vista institucional, significa que os legisladores de hoje decidem para sempre sobre determinadas despesas, em desprezo das futuras gerações. No extremo, se todas as receitas fossem vinculadas, o orçamento poderia ser abolido. O passo seguinte poderia ser a abolição do parlamento, pois ele nasceu de questões orçamentárias.

A vinculação é uma forma primitiva de definir prioridades. Favorece o desperdício, pois o administrador tem os recursos garantidos, é menos exigido para justificar seus gastos e tende a despender toda a arrecadação que lhe é destinada, mesmo sem necessidade.

A prioridade deve ser definida na despesa e não na receita. Se a saúde é prioritária, como é o caso, caberia ao Congresso estabelecer anualmente suas dotações, ponderando necessidades e possibilidades. Outras despesas menos prioritárias deveriam ceder lugar à saúde.

Na verdade, a vinculação não é conveniente apenas para o administrador, mas também para deputados e senadores, pois é mais fácil para eles criar e aumentar tributos vinculados do que fixar prioridades.

Não será simples enterrar a equivocada cultura da vinculação. Um bom começo seria fazer o orçamento mandatório, ou seja, cumprir a lei.

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