O encanto místico da Petrobras
O tempo do controle estatal da empresa já passou
A visão de que a Petrobras deve estar sob o controle do governo está entranhada na maioria da sociedade brasileira. Trata-se da associação entre um nacionalismo ultrapassado e a ideia equivocada de que o petróleo é um bem estratégico para o desenvolvimento. Ignora-se que a riqueza vem hoje essencialmente da produtividade. Cerca de 80% do crescimento da economia americana no pós-guerra se explica por ganhos de produtividade, e não pela abundante disponibilidade de petróleo de então. No Brasil, 94% da expansão da agropecuária nas últimas décadas tem origem na produtividade, e não na extensão de nossas terras.
Como explicam Philippe Aghion e coautores no livro The Power of Creative Destruction, o enriquecimento provém da inovação e dos consequentes ganhos de produtividade. Assim, apesar do monopólio estatal do petróleo, o crescimento do Brasil tem sido medíocre. Isso se deve à queda da produtividade, decorrente de fatores como a baixa qualidade da educação, a insegurança jurídica, o caos do sistema tributário, os riscos fiscais e as deficiências da infraestrutura.
A esquerda brasileira não consegue mirar-se em suas congêneres da Europa Ocidental na percepção das causas do desenvolvimento. Ainda crê que o crescimento depende da elevação de gastos públicos, do dirigismo estatal e da manutenção de empresas estatais. A Petrobras inspira, por isso, um encanto místico em líderes e pensadores petistas. Privatizá-la seria ação lesa-pátria. Por ser estatal, ela deveria exercer um papel social, praticando preços dissociados das cotações internacionais do petróleo. Ou seja, deveria quebrar.
É forte entre nós a oposição à privatização da empresa. Despreza-se que estatais servem para suprir falhas de mercado enquanto o setor privado não tem o apetite nem os recursos para assumir suas funções naturais no sistema capitalista. Essas condições existiam nos EUA quando o petróleo foi descoberto na Pensilvânia (1859). O país virou o maior produtor mundial, mas nunca criou a sua Petrobras. Nenhum dos sete países mais ricos do mundo detém o controle de petrolíferas.
Os petistas não estão sozinhos no fetiche sobre a Petrobras. A admirável senadora Simone Tebet (MDB-MS), que tem nítidas posições liberais e pode ser candidata presidencial, está contra o projeto de lei do senador José Serra que previa a redução da participação da estatal na exploração do pré-sal.
Ela considerou a ideia “inoportuna”, sob o argumento de que “poderemos estar fragilizando ainda mais a empresa”. Questionou se a privatização resolveria o “problema” da dolarização do petróleo no Brasil ou se favoreceria a população em detrimento do lucro. “Eu sou a favor da privatização quando há uma razão lógica, coerente, visando ao interesse social. Acho muito difícil alguém provar isso no caso da Petrobras.”
Estamos longe de entender que o tempo do controle estatal da Petrobras já passou. Voltarei ao tema.
Publicado em VEJA de 2 de março de 2022, edição nº 2778
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