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Política

31 de dez de 2014 , 17h48

O desgaste de estar no governo

O desgaste de estar no governo

Vitorioso em quatro eleições presidenciais seguidas, o PT vive o desgaste natural da longa permanência no poder. O êxito nas urnas vê-se ofuscado pelo fracasso na economia e pelos dois maiores escândalos de corrupção da história do país. Na eleição de 2002, Lula perdeu apenas em Alagoas. Na seguinte, foi derrotado no Sul. Agora, Dilma perdeu também no Centro-Oeste. A maioria de 2002, de 61,2% dos votos válidos, caiu para 60,8% em 2006, 56,1% em 2010 e 51,6% em 2014. Dilma recorreu a uma infame campanha eleitoral para ganhar por muito pouco.

A ideia de que o PT representa a ética na política se esvai. A simpatia pelo partido, de 34% em agosto de 2002, caiu para 21% atualmente, segundo pesquisa Ibope (O Estado de S. Paulo, 18/5/2014). Entre os jovens com até 24 anos, encolheu de 27% para 17%. Na faixa de renda acima de cinco salários mínimos, despencou nos últimos vinte anos, de 41% para somente 11% agora. Para a diretora do Ibope, Marcia Cavalliari, “o PT começou com a simpatia dos intelectuais e hoje tem a preferência dos necessitados”. O declínio é inequívoco.

Desde o seu início, o PT professou o ideal socialista, embora associando-o à democracia. Propunha construir um “socialismo petista” distinto do “socialismo real” de Stalin. Em sua Carta de Princípios (1979), afirmou “seu compromisso com a democracia plena, exercida diretamente pelas massas, pois não há socialismo sem democracia nem democracia sem socialismo.”

O “socialismo petista” foi tema do 3º Congresso do PT (2007), que o reafirmou “como partido socialista”. Destacou “a classe trabalhadora como sujeito histórico da transformação” e o objetivo de criar “as condições políticas necessárias para implementar na sociedade brasileira um projeto socialista.” Antenado com os males do capitalismo excludente do século XIX, que inspirou o socialismo e já não existe, o Congresso adotou uma perspectiva “profundamente anticapitalista, na medida em que o capitalismo se caracteriza por um anti-humanismo que se revela na naturalização da exclusão.”

No século XIX, o socialismo buscava completar “a revolução iniciada pela burguesia, arrebatando-lhe o poder social, exatamente como ela conquistara o poder político”, segundo Adam Przeworski. O grupo dos anarquistas se recusava a participar de disputas políticas burguesas. Outra corrente advogava a participação com fins propagandísticos, enquanto uma terceira sonhava conquistar o poder para implantar o socialismo. A moderada via a oportunidade de ganhar o poder para beneficiar a classe trabalhadora. O PT preferiu o socialismo da última dessas posições.

A denominação Partido dos Trabalhadores – e não Partido Trabalhista – não traduzia uma tendência uniclassista. Ao contrário, o PT buscava conquistar as massas. Arrogante, imaginou deter o monopólio da defesa dos menos favorecidos e do caminho para a felicidade. Daí suas pretensões à hegemonia gramsciana, não admitindo que outro partido sem esses dons quase divinos empalmasse o poder.

Por suas visões estatistas, o PT adotou o dirigismo do nacional-desenvolvimentismo. Pior, defendia esquisitices como moratória da dívida interna e externa e ampla estatização da economia. Após três derrotas seguidas, percebeu que a vitória requeria conquistar a confiança dos mercados e das classes de renda mais alta. Daí a Carta ao Povo Brasileiro (2002), na qual incorporou ideias responsáveis: superávit primário, respeito a contratos e cumprimento de obrigações internacionais do país.

Com o tema “paz e amor”, um empresário como companheiro de chapa e uma nova forma de vestir-se e falar, Lula se tornou favorito em 2002. Beneficiou-se da queda de popularidade de FHC, provocada por uma tempestade perfeita: o apagão de energia elétrica, o contágio da grave crise argentina – ambos em 2001 – e o efeito, nas expectativas, do medo da adoção das ideias econômicas do PT, que ainda não se dissipara. Por causa disso tudo, houve forte desvalorização cambial, que agravou a inflação, desacelerou a economia e diminuiu o emprego, solapando as chances eleitorais da situação. O PT venceu.

Lula adotou uma política econômica sensata. Não reverteu as privatizações que condenara. Seu competente ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ganhou a confiança do setor privado com um discurso coerente. Muitos enxergaram, então, uma mudança semelhante à da Europa, onde partidos social-democratas como os da Alemanha, da Espanha e da Inglaterra perfilharam a democracia e a economia orientada pelo mercado.

Essa impressão foi reforçada por reformas no início do governo que ampliaram o acesso ao crédito e expandiram o financiamento imobiliário. Uma nova lei de falências e outros avanços melhoraram o ambiente de negócios. A elevação da produtividade, incluindo a advinda das reformas da era FHC, e os ganhos do comércio com a China permitiram forte expansão do PIB e a elevação da receita tributária. Criou-se o espaço para aumentos não-inflacionários do salário mínimo e para aumentar o gasto social. Lula brilhou.

Com a saída de Palocci em 2006, iniciou-se a reversão da política econômica. O sucessor, Guido Mantega, retomou velhas ideias do PT. Ficou claro que a metamorfose se limitara a Lula, Palocci e gatos-pingados. Não se incorporara aos princípios do partido. Para completar o retrocesso, a crise internacional de 2008 – justificadora de intervenções na economia nos países ricos – foi a senha para legitimar a volta de políticas que haviam perdido validade: expansionismo fiscal, juros baixos na marra, protecionismo, regras de conteúdo nacional mínimo, formação de empresas campeãs nacionais, concessão generosa de subsídios, desonerações tributárias tópicas e desarticuladas, controle de preços de combustíveis e de energia elétrica e por aí afora.

As mudanças não revigoraram a economia, como Mantega prometia. Ao contrário, acarretaram baixo crescimento, inflação alta, queda de produtividade, perda de competitividade da indústria, déficit público crescente e deterioração do balanço de pagamentos. Dificilmente isso se reverterá por inteiro nos próximos quatro anos. Os ganhos de comércio se ressentem da queda de preços das commodities. No mercado de trabalho, sem a colaboração da demografia dos tempos recentes, a taxa de desemprego vai subir. A massa de rendimentos tende a crescer menos do que a população.

A popularidade de Dilma sofrerá. Mesmo na hipótese de êxito da nova equipe econômica, é pouco provável o retorno do ambiente que embalou vitórias eleitorais petistas. O PT enfrentará o risco de encerrar seu atual ciclo no poder em 2018. Se for assim, será discutido então o destino do partido após a derrota. É possível que fique na oposição por dois períodos. Só em 2026 poderia tentar a volta. Lula, com 81 anos, não seria candidato. Mesmo que o partido se oxigene e se renove, parece difícil surgir, nesse período, um líder com carisma e liderança comparáveis.

Outro risco do PT, ainda que remoto, viria da sua eventual dominação pelos radicais. Poderia repetir a experiência do Partido Comunista Francês (PCF), a segunda maior força eleitoral logo depois da II Guerra. Em 1946, o PCF obteve 28,6% dos votos e elegeu 182 parlamentares, o melhor resultado de sua história. Acontece que o partido se submeteu a ordens de Moscou, manteve a linha de pensamento stalinista e se opôs ao revisionismo pós morte de Stalin (1953). Silenciou na invasão da Hungria por tropas soviéticas (1956). Isolado, sofreu longo declínio. Ganhou apenas dez cadeiras nas eleições de 2012, menos de 2% do parlamento. Diferentemente de outros partidos comunistas europeus, como o italiano, o PCF não se reinventou.

A continuidade do PT no poder depende do êxito do segundo de mandato de Dilma e da recuperação da economia, da renda e do emprego. Se isso acontecesse, o partido preservaria o apoio da classe média intermediária, que representa cerca de um terço do eleitorado e costuma definir as eleições presidenciais. Em caso de insucesso, o PT perderia em 2018, mas poderia voltar a vencer mais tarde. Apesar do declínio, continua enraizado em amplos segmentos da sociedade. Sua taxa de identificação partidária caiu, mas ainda é a mais alta entre os demais partidos. Só o domínio dos radicais faria o partido perder relevância.

O desafio do PT é adotar e institucionalizar a metamorfose de Lula. O pragmatismo precisa vencer o ranço ideológico. O partido não pode subestimar os riscos a que está sujeito.

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