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Política

11 de jun de 2014 , 18h57

O decreto de Dilma: um teste para as instituições

O decreto de Dilma: um teste para as instituições

Pelo decreto nº 8.243, a presidente Dilma instituiu a “Política Nacional de Participação Social – PNPS” e o “Sistema Nacional de Participação Social – SNPS”. Ela invocou, para tanto, o artigo 84, inciso VI, alínea a, da Constituição, que lhe permite emitir decretos sobre “organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos”. De saída, essa exigência não foi cumprida.

Há óbvio aumento de despesa. Surgirá uma complexa estrutura de conselhos, comissões, conferências, ouvidorias, mesas, fóruns, e por aí afora. A Secretaria-Geral da Presidência da República coordenará uma verdadeira administração paralela. Poderá “realizar estudos técnicos e promover avaliações e sistematizações das instâncias e dos mecanismos de participação social definidos neste decreto”. Tudo isso gera despesa. O ato configura, assim, abuso de poder. É claramente inconstitucional.

O decreto constitui um grave risco para a nossa jovem democracia. VEJA o esquadrinhou em reportagem na edição 2377, evidenciando a semelhança com os sovietes dos quais nasceu o regime comunista da União Soviética. Editoriais e articulistas apontaram os seus defeitos. Demétrio Magnoli o equiparou ao corporativismo da ditadura Vargas. Oliveiros Ferreira lembrou “o caminho da servidão”, título de obra clássica de Friedrich Hayek (1889-1992). Hayek mostrou que coletivismos como o nazismo e o comunismo conduzem à tirania e à supressão das liberdades.

O decreto esvaziaria a função básica do Congresso, que é a de representação da sociedade. A Justiça do Trabalho poderia ser substituída por uma mesa de diálogo, à qual caberia “mediar e solucionar conflitos sociais”. Um conflito selvagem como a recente greve dos metroviários de São Paulo poderia ser mediado por militantes de movimentos sociais escolhidos pelo governo, e não por juízes.

O governo alega que os conselhos remontam aos anos 1930. É verdade, mas sua criação tem se guiado por uma lógica distinta. Eles servem para obter a colaboração de especialistas e melhorar a qualidade do processo decisório. Deles se exigem habitualmente “ilibada reputação e notório conhecimento” do assunto. Por se tratar de atribuição do Congresso, são criados por lei, como no caso do Conselho Monetário Nacional (CMN). Pelo decreto, representantes de conselhos populares poderiam integrar o CMN ou órgãos deliberativos da área diplomática, o que seria um despautério. Faltar-lhes-iam conhecimento técnico e experiência.

Abusos de poder são inibidos nas democracias por mecanismos de pesos e contrapesos, cuja origem é a teoria da separação de poderes do barão de Montesquieu (1689-1755), aplicada pioneiramente na Constituição americana de 1787. Cada poder monitora a ação dos demais e possui formas de contestação de seus atos. No Brasil, o Legislativo pode decidir pela revogação de decretos do Executivo. O STF pode ser instado a se pronunciar sobre a constitucionalidade de medidas de outros poderes.

Esses mecanismos se fortaleceram com a ampliação do direito de voto e com instituições que permitem detectar erros e corrigi-los. Estas são uma espécie de “alarme de incêndio” que aciona movimentos em defesa da sociedade e da reversão de medidas equivocadas ou simplesmente abusivas. Entre tais instituições se incluem a imprensa e as crenças da sociedade, que se manifestam em opiniões de especialistas e no debate das ideias.

O decreto é um teste para as nossas instituições. Elas já começaram a operar. O Congresso examina projeto de resolução para derrogar a medida. A OAB e partidos políticos examinam submeter o assunto ao STF. A imprensa abriu espaço para a divulgação da medida e para sua contestação por editorialistas e analistas. São raros os que apoiam a medida.

O decreto pode morrer em qualquer dessas instâncias decisórias ou mediante um sensato recuo da presidente Dilma. Curiosamente, ela terá contribuído para que verifiquemos a solidez de nossas instituições. Se a medida sobreviver, a democracia estará ameaçada. O espaço ficará livre para novos e crescentes abusos, que nos levariam para o caminho bolivariano.

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