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11 de mar de 2015 , 15h29

O capitalismo e os disparates de Evo Morales

O capitalismo e os disparates de Evo Morales

Em janeiro, antes de assumir pela terceira vez o cargo de presidente da Bolívia, Evo Morales compareceu a uma cerimônia de purificação espiritual, na tradição indígena da etnia aimará, a que pertence. Ele disse, então, que o imperialismo e o capitalismo “fizeram desaparecer os povos indígenas do mundo”.

O alvo deve ter sido os Estados Unidos, o qual, como fazia Hugo Chávezu, Evo tacha de imperialista e capitalista, mas ele deveria ter citado os conquistadores espanhóis invasores das terras hoje bolivianas. O capitalismo não tem culpa da matança dos indígenas nem do seu desaparecimento (que não houve). Antes dos espanhóis, os algozes dos aimarás foram os incas. Os capitalistas nada têm a ver com isso.

É longa a evolução do capitalismo. No primeiro milênio antes de Cristo, já existiam direitos de propriedade e mercados entre fenícios e babilônios, mas foi nos séculos XVI a XVIII que o capitalismo se expandiu na Europa, movido por inovações tecnológicas e institucionais. Daí vieram a descoberta das Américas, o caminho marítimo para as Índias e a circum-navegação. O comércio migrou do Mediterrâneo para o Atlântico e sua ampliação, inclusive na exploração das especiarias da Ásia, enriqueceu a Europa. A China e a Índia, que antes respondiam por metade da economia mundial, ficaram para trás.

Os espanhóis foram cruéis em sua busca de ouro e prata, bem como na conversão forçada dos indígenas ao catolicismo e na sua escravização para uso nas minas e nas haciendas. Milhões pereceram por causa do sarampo, da fome e dos maus-tratos. O colonialismo espanhol trouxe destruição sem paralelo contra uma comunidade autóctone, suas riquezas e sua arte. Naqueles tempos, a Espanha adotava o mercantilismo, que atribuía a riqueza ao estoque de metais preciosos. O moderno capitalismo ainda não existia.

A palavra “capitalismo” nem sequer havia aparecido. Foi criada nos anos 1860 por socialistas e anarquistas, para significar qualquer coisa oposta ao coletivismo. Marx a adotou em O Capital. Adam Smith, o pensador cujas ideias fariam surgir a economia de mercado e o desenvolvimento ocidental, não falou uma vez sequer em capitalismo.
O moderno capitalismo compreende basicamente quatro elementos, diz Larry Neal no livro The Cambridge History of Capitalism (2014). São eles: 1) direitos de propriedade; 2) respeito aos contratos; 3) mercados orientados pelo sistema de preços; 4) apoio governamental. Esse apoio nada tem a ver com o intervencionismo de tempos recentes no Brasil, caracterizado por controle de preços, interferência desastrada no mercado de energia, desonerações tributárias sem rumo e crédito favorecido aos escolhidos do rei. Refere-se às instituições que estabelecem um bom ambiente de negócios, incluindo concorrência no mercado e solidez do sistema financeiro. Compreende ainda educação de qualidade e promoção da pesquisa básica essencial à inovação e ao desenvolvimento tecnológico.
Esse capitalismo começou a se formar há 150 anos, depois de a Bolívia ter se rebelado contra a Espanha (1809), da qual se tornaria independente em agosto de 1825, portanto há quase 190 anos.

Apesar do sofrimento imposto aos indígenas das Américas, não há quem defenda o retorno ao status anterior à conquista europeia. Os portugueses e espanhóis constituíam uma civilização mais avançada, que legou instituições e práticas bem melhores. Um dos autores do livro de Cambridge, Richard Salvucci, lembra que a região não se desenvolveria retornando ao passado. Para ele, a independência de Portugal e da Espanha não tornaria possível “um retorno a um mundo perdido, melhor ou não, mais eficiente ou não”.

A ação destruidora dos conquistadores não impediu, ainda segundo Salvucci, a sobrevivência de muitas das características dos povos indígenas: línguas, cultura e práticas religiosas. Foi essa extraordinária continuidade que permitiu ao presidente Evo Morales ser purificado por sua comunidade étnica à moda de um rei inca. Uma observação final: os conquistadores não adotavam o socialismo, a ideologia fracassada que Evo professa e que surgiu igualmente após a independência da Bolívia e de outros países das Américas.

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