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Economia

19 de maio de 2010 , 17h26

O Banco Central erra, mas…

O Banco Central erra, mas…

Composto de seres humanos, os bancos centrais erram. O americano Federal Reserve cometeu equívocos famosos. Errou após o colapso da Bolsa em 1929, contribuindo para a Grande Depressão. Errou durante a guerra do Vietnã, provocando forte inflação. Diz-se que causou a crise de 2007-2008 ao manter a taxa de juros baixa por muito tempo.

É difícil antecipar com segurança esse tipo de erro, mesmo porque os acertos dos bancos centrais são muito maiores. Por exemplo, antes da crise muitos apontavam o suposto erro do Fed, mas isso nunca foi pacífico. Economistas de renome sustentam que outras causas seriam as responsáveis maiores pelo desastre.

Recentemente, o ex-governador José Serra fez duras críticas ao Banco Central. “Não baixar os juros num contexto em que não tinha inflação simplesmente foi um erro”. Assim, o presidente da República “tem que fazer sentir sua posição” se houver “erros calamitosos”. A autonomia do BC deveria ser exercida “dentro de certos parâmetros”.

Ora, é assim que funciona. O BC mira o “balanço de riscos”. Quando o risco é de inflação, aumenta a taxa de juros; se for de crescimento, diminui. O Fed deve, por lei, promover a estabilidade de preços e o crescimento, mas não busca um objetivo em detrimento do outro. Também adota o princípio do “balanço de riscos”.

A autonomia operacional de um banco central se funda na ideia de que a estabilidade dos preços é um bem público essencial para o crescimento, para os avanços sociais e para a estabilidade política. Isso implica recrutar gente altamente qualificada, capaz de acertar ao máximo na identificação daqueles riscos.

A autonomia do BC ainda é uma criança se comparada à do Fed (1913). Esse status começou a ser construído nos anos 1980, com medidas que incluíram o fim de suas funções de desenvolvimento, incompatíveis com as de autoridade monetária. A autonomia se firmou com a criação do Comitê de Política Monetária – Copom (1996).

O BC dispõe de amplas informações e experiência para evitar erros. O acervo de boas decisões já é vasto. Técnicos bem treinados se dedicam à tarefa de assessorar os membros do Copom. O bom nível de transparência e previsibilidade é reconhecido aqui e no exterior. Claro, o BC não é uma unanimidade, nem isso é desejável.

O controle político do BC, sugerido por Serra, não existe em outros países. Nas democracias, o chefe do governo está limitado por normas e práticas – as instituições – que inibem a ação voluntarista. O êxito da democracia e da economia de mercado deriva da criação de inibidores institucionais à ação discricionária e imprevisível dos governantes.

Se o presidente pode “fazer sentir sua posição” a autonomia do BC inexiste. E se for ele o equivocado? O potencial de erros diminui com o nível de qualificação profissional da diretoria. Se o BC pode receber ordens, somente os pouco qualificados aceitarão o convite. Os agentes de mercado se sentirão inseguros. O BC perderá capacidade de coordenar expectativas. O custo de combater a inflação será mais alto.

Serra disse que os diretores do BC não são eleitos. Este é um velho ponto. Quem não foi escolhido pelo povo tem legitimidade para decidir sobre a taxa de juros? Onde a autonomia do banco central é legal, a legitimidade deriva da delegação de autoridade, concedida pelos que foram eleitos. O objetivo é manter o banco à margem de interesses políticos imediatos, preservando um bem valorizado pela sociedade.

Em geral, a contrapartida da delegação de poder é a prestação de contas ao Parlamento. No Brasil, a autonomia do BC costuma ser questionada, mas a instituição não tem obrigação de prestar contas ao Legislativo. Melhor seria colocar em lei a autonomia e o comparecimento regular ao Congresso. De quebra, isso lembraria aos nossos políticos o papel que lhes cabe na manutenção da estabilidade. Em vez de críticos, partícipes.

Serra é um grande líder político, culto e experiente. Parece imaginar que, na presidência, consertaria um “erro calamitoso” do BC sem que isso significasse “virar a mesa”. Creio que não cometeria a temeridade. Falariam mais alto o bom senso e o peso do cargo. Ele não confundiria ousadia com irresponsabilidade.

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