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Política

6 de jan de 2008 , 21h51

O aumento do IOF é inconstitucional

O aumento do IOF é inconstitucional

O aumento das alíquotas do IOF, para compensar em parte a perda de arrecadação da CPMF, é claramente inconstitucional. Ainda que a elevação de suas alíquotas por decreto tenha abrigo na Constituição e haja precedente, pode-se questionar se o Poder Executivo deve usar essa prerrogativa para ampliar a arrecadação do imposto.

O questionamento, em juízo, do ato presidencial deve ser tarefa de advogados ou de partidos políticos. Meu objetivo aqui é trazer informações que possam subsidiar eventual ação nesse sentido.

Dois dos princípios modernos da tributação surgiram com a Carta Magna inglesa (1215). Ao rei foi vedado tributar sem a concordância de uma assembleia de barões e bispos, a precursora dos atuais parlamentos. Era o princípio de legitimidade, mais tarde consagrado na frase “no taxation without representation”. A arrecadação somente poderia ser feita no exercício seguinte. Era o princípio de anterioridade.

A Carta Magna previa três exceções. O rei poderia criar ou aumentar tributos sem autorização da assembleia e cobrá-los no mesmo exercício, desde que em valor “razoável” e destinados a pagar seu próprio resgate, fazer o filho mais velho cavaleiro e casar a filha mais velha.

Esses princípios foram incorporados nas constituições de todos os países democráticos e mesmo de regimes autoritários. A exceção eram os impostos de importação, pois seu objetivo não era extrair recursos dos contribuintes, mas usar a tarifa aduaneira com objetivos de comércio exterior.

É assim no artigo 150 da Constituição brasileira de 1988, que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (inciso I) e cobrar tributos “no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou” (alínea “b” do inciso III).

Desde sua criação, no regime militar, o IOF tem sido arrecadado sem a observância desses dois princípios. Naquela época, sequer integrava o Orçamento da União, pois seus recursos se destinavam à formação de “reservas monetárias” e eram recolhidos ao Banco Central.

Cabia ao Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovar o regulamento, as bases de cálculo, as hipóteses de incidência e as alíquotas do IOF. Ao CMN competia ainda decidir sobre a aplicação dos recursos, que eram usados em distintas finalidades, como as relativas a intervenções no sistema financeiro e a concessão de subsídios diversos.

A Constituição de 1988 eliminou tais anomalias. Pela nova Carta, os recursos do IOF passaram a integrar o Orçamento, mas o Ministério da Fazenda convenceu os constituintes de que o imposto não tinha função arrecadatória, prestando-se à regulação das operações de crédito, câmbio, seguro e as relativas a títulos e valores mobiliários.

De fato, nos vinte anos de sua existência até então, o IOF havia sido utilizado basicamente para restringir o uso do crédito e para tributar certas operações de câmbio, em momentos de crise inflacionária ou de balanço de pagamentos.

Assim, o parágrafo primeiro do artigo 153 estabeleceu que ao Poder Executivo era facultado, “atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas” do IOF, norma que se aplica também ao IPI e aos impostos de importação e de exportação.

Acontece que o atual governo deixou explícito que o aumento do IOF se destina a substituir as perdas derivadas da recusa da proposta de prorrogação da CPMF por mais quatro anos. O próprio ministro da Fazenda declarou que estava trocando “seis por meia dúzia”, isto é, o IOF reproduziria a CPMF, às mesmas alíquotas.

Fica claro que o aumento tem finalidade exclusivamente arrecadatória. Não visa a regular de qualquer modo as operações sobre as quais incidirá o imposto.Trata-se, portanto, de medida que fere os princípios da legitimidade e da anterioridade, pois foi adotada por ato do Executivo e para vigência imediata,.

Se a elevação das alíquotas do IOF servirá exclusivamente para transferir recursos da sociedade para o Estado, a medida precisará ser adotada mediante lei (ou medida provisória a ser aprovada pelo Congresso) para vigência no exercício seguinte.

É verdade que medida semelhante foi adotada no governo FHC, mas isso não lhe retira o caráter de ilegitimidade nem a livra da observância da anterioridade.

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