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23 de jun de 2021 , 08h00

Não precisa ser médico

Não precisa ser médico

Para ser ministro da Saúde, liderança é essencial

O fracasso do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde, diz-se, resultou do fato de ele não ser médico. Creio, porém, que o insucesso tem pouco a ver com isso. Em boa parte, o problema teria decorrido da entrega de postos-chave a militares sem bons conhecimentos na área. Deficiências de liderança explicariam outra parte. A experiência em logística, realçada por Jair Bolsonaro, não era importante.

Em qualquer ministério, o desempenho do titular depende de duas condições: (1) habilidade para comandar, isto é, ter e exercer liderança; (2) boa assessoria de especialistas experientes. Sem equipe eficiente, é natural que surjam problemas de formulação, coordenação e implementação de políticas públicas. Os conhecimentos do ministro podem contribuir para o sucesso, mas não necessariamente o seu diploma.

Liderança é o ingrediente essencial. Para o completo sucesso, ela pressupõe reunir muitas habilidades, entre elas a da persuasão. Dispor da capacidade de transmitir mensagens, convencer e conquistar apoio. Ser hábil para comandar pessoas e atribuir responsabilidades. Ter empatia, bom senso e saber ouvir. Tratar subordinados com urbanidade, sem perder a autoridade. Ser confiável, íntegro, probo e incorruptível. Nem todos os ministros combinam essas qualidades, mas sem a maioria delas dificilmente terão êxito.

Ministro é cargo político. Em países ricos, escolhas para a área da saúde costumam recair em parlamentares ou ex-parlamentares. No Reino Unido, que tem se saído bem na vacinação contra a Covid-19, o ministro é Matthew Hancock, formado em filosofia, política e economia. Na França, é Olivier Véran, um cardiologista. Nos EUA, é Xavier Becerra, advogado. Todos os três são ou foram parlamentares. O americano foi deputado federal por 24 anos.

No Brasil, um bem-sucedido ministro da Saúde foi José Serra, economista. Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi o ministro da Fazenda que venceu o sério desafio da hiperinflação. Ambos integraram o Congresso. O desempenho deles teve a ver com liderança, experiência política e vivência no setor público. Nos países ricos citados, o ministro tem o apoio de uma burocracia permanente com largos conhecimentos especializados.

No caso do ministro Pazuello, os militares da equipe possuíam pouca ou nenhuma experiência em saúde. Faltou-lhes, pois, sensibilidade para identificar riscos e, assim, acionar medidas necessárias. Daí a inabilidade para adquirir, tempestivamente, vacinas de várias origens, ainda que fossem promessas. A conclusão do negócio, claro, dependeria da aprovação da Anvisa.

As barbaridades de Bolsonaro impõem constrangimentos à ação dos ministros da Saúde. Para ele, as mortes em Araraquara decorreram das restrições à atividade econômica decretadas pelo prefeito para conter a ampla circulação do vírus, por sinal bem-sucedidas. Bolsonaro disse que as mortes teriam ocorrido por fome causada pelo correspondente desemprego – e não pela doença. Pode?

 

Publicado em VEJA de 23 de junho de 2021, edição nº 2743

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