COLUNAS

Política

15 de out de 2014 , 18h16

Não há bom substituto para o fator previdenciário

Não há bom substituto para o fator previdenciário

A verdade, diz-se, costuma ser a grande vítima de campanhas eleitorais. Já a mentira pode correr solta em promessas inconsequentes como a da mudança do fator previdenciário, defendida por Aécio Neves e Marina Silva. Ambos reagiram a demandas de sindicalistas, que acusam o fator de “prejudicar” os aposentados ao reduzir o valor do benefício previdenciário. Acontece que a redução é efeito da natural necessidade de ajustar o benefício à elevação da expectativa de vida pós-aposentadoria

O fator previdenciário foi aprovado em 1999 (Lei nº 9 876). Sua lógica é irrepreensível, mas ele continua pouco entendido. A rejeição ao fator é parte de outra lógica muito aceita, a de que a aposentadoria deveria ser a retribuição pelos anos trabalhados, e não o resultado de contribuições do segurado ao longo de sua vida profissional.

O fator previdenciário, nascido na Suécia, é um mecanismo de ajuste automático entre a expectativa de vida pós-aposentadoria e o benefício a que teria “direito” o segurado pelo sistema de repartição, no qual os trabalhadores em atividade – a geração de hoje – custeiam a aposentadoria da geração de ontem.

A expectativa de vida tem aumentado em todo o mundo. É crescente o tempo de usufruto da aposentadoria, o que é ótimo para homens e mulheres e péssimo para as finanças previdenciárias. Suponha que o cálculo atuarial considere uma sobrevida de dez anos na inatividade. Admita que o avanço da medicina mudou esse período para vinte anos. A despesa será o dobro do previsto. Por não ter acumulado recursos suficientes para tanto, o sistema entrará em déficit, ameaçando a sustentabilidade fiscal e o futuro da economia.

O cidadão comum aceitaria o fator se encarasse o benefício como resultado de um esforço de poupança a ser por ele gasta mais tarde. Entenderia que o valor de uma aposentadoria aos 50 anos, a ser usufruída durante trinta anos, deveria ser inferior ao daquela de quem se aposenta aos 60 anos e terá uma sobrevida menor. O fator faz o ajuste automático dessa diferença.

Sem o fator, uma alternativa seria elevar o tempo de aposentadoria mediante lei cuja aprovação é tarefa difícil e desgastante. Os governantes tendem a evitá-la. Outra saída seria aumentar as contribuições, o que é menos laborioso mas bastante complicado. Não fazer nada, a opção mais frequente, é transferir para as gerações futuras o ônus do inevitável colapso do sistema.

Mesmo quando se consegue estender a idade de aposentadoria, como na maioria dos países ricos, a solução é apenas temporária. Mais tarde, novos avanços da medicina desatualizam o limite de idade para auferir o benefício. A vantagem do fator é considerar o aumento na expectativa de vida, corrigindo automaticamente o valor da aposentadoria. A ideia básica era induzir os trabalhadores a permanecerem mais tempo em atividade, ampliando o período de contribuição. Isso restauraria o valor esperado da aposentadoria, mas evitaria o déficit. Se o trabalhador preferisse aposentar-se no tempo previsto, a redução do benefício manteria equilibradas as finanças previdenciárias. A experiência tem mostrado que a maioria opta por não prolongar a vida ativa.

O fator previdenciário brasileiro é calculado com base em uma fórmula que leva em conta a alíquota de contribuição, a idade, o tempo de contribuição ao INSS e a expectativa de sobrevida (estimada pelo IBGE). Quanto maior a expectativa, maior a redução do valor da aposentadoria. Não se trata, ao contrário do que se apregoa, de prejuízo ao aposentado, mas de ajuste do benefício ao maior tempo de sobrevida.

A Previdência ainda reclama reformas como a elevação da idade de aposentadoria, mas o fator previne a elevação do atual déficit. Sem ele, ou se aumentam os impostos ou nossos filhos e netos herdarão o temível colapso do sistema. Pode-se aperfeiçoar o cálculo do fator, mas inexiste mecanismo capaz de substituí-lo com vantagem.

Acabar o fator previdenciário, como querem sindicalistas e aposentados, seria uma decisão de altíssima irresponsabilidade. Espera-se que a promessa de sua substituição tenha sido mero estratagema eleitoral e que Aécio, caso eleito, se livre dessa má ideia.

← Voltar