Política
31 de ago de 2008 , 14h47A maldição do petróleo
Em declaração recente, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, assegurou que o Brasil não será vítima da maldição do petróleo. Assim, as riquezas do pré-sal não seriam desperdiçadas, ao contrário do que ocorreu em outros países. Se, todavia, vingarem as propostas em curso – criação da Petrosal e mudanças no marco regulatório – a ministra poderá ser desmentida pelos fatos.
A ideia da “maldição” apareceu em artigo de 1995, de Jeffrey Sachs e Andrew Warner. Os autores mostraram que os países ricos em recursos naturais crescem menos do que os que não os possuem em abundância, o que constitui um dos surpreendentes aspectos da vida econômica (“Natural Resource Abundance and Economic Growth”, disponível em www.nber.org/papers/w5398).
O estudo abrangeu uma amostra de 95 países em desenvolvimento, exportadores de produtos agrícolas, minérios e combustíveis, no período de 1970 a 1990 (hoje, as análises focam mais o petróleo). Constatou-se que, na média, os que iniciaram com uma alta participação desses recursos nas exportações tiveram menor desenvolvimento nos vinte anos seguintes.
Os países pobres de recursos naturais tem tido melhor desempenho há muito tempo. No século 17, a Holanda eclipsou a Espanha, apesar da abundância de ouro e prata de suas colônias no Novo Mundo. Nos séculos 19 e 20, a Suíça e o Japão superaram a Rússia rica de recursos naturais. Mais recentemente, Coréia, Taiwan, Hong Kong e Cingapura enriqueceram sem ter abundância desses recursos.
A posse de recursos naturais deixou de ser uma vantagem decisiva no processo de crescimento econômico, mas é surpreendente que tenha se transformado em uma desvantagem. Por isso, os autores perguntam: “há uma maldição da riqueza fácil?”
Várias são as explicações para o fenômeno. A abundância de recursos naturais inibiria a industrialização, reduzindo o seu papel na elevação do conhecimento e, assim, no crescimento econômico. Nos países pobres desses recursos, a alternativa é o desenvolvimento industrial. Os trabalhadores investem em educação, pois isso lhes dá vantagens sobre aqueles que não se educam. Daí surgem mão-de-obra qualificada e professores mais preparados para melhor educar a próxima geração.
A abundância de recursos naturais tem gerado corrupção e burocracias ineficientes. Por outro lado, os gastos correntes crescem em detrimento de ações favoráveis ao crescimento, como a infra-estrutura e o fortalecimento das instituições. Políticas de desenvolvimento lideradas pelo Estado, incluindo programas de substituição de importações, beneficiam os grupos de interesse que lutam por elas.
A meu ver, nesse processo é decisiva a importância da educação, das crenças da sociedade e da solidez das instituições. A abundância de carvão mineral impulsionou, em vez de reduzir, o desenvolvimento do Reino Unido no século 19. Os EUA, ricos em recursos naturais, foram exportadores de petróleo e enriqueceram sem criar empresas estatais para sua exploração. As descobertas de petróleo no mar do Norte não geraram desperdícios de oportunidades pelos países que delas se beneficiaram.
A fraqueza das instituições, particularmente das que restringem o arbítrio e inibem o populismo, está na raiz da “maldição” que impede a Nigéria, a Venezuela, os países árabes e outros produtores de petróleo de acelerar o seu crescimento. Infelizmente, a julgar pelo que diz o governo, seus aliados e “desenvolvimentistas”, o Brasil pode trilhar esse caminho.
De fato, a criação de uma estatal moldada no exemplo da Noruega (sem as instituições e as práticas gerenciais do setor público norueguês) e as mudanças do marco regulatório do petróleo podem custar caro à sociedade. Os recursos seriam gastos em programas sociais, em vez de serem poupados de modo a promover o crescimento e beneficiar também as futuras gerações (como na Noruega). Demanda-se a utilização das receitas em prol de uma “política industrial”, o que repetiria erros passados e beneficiaria grupos de interesse com subsídios generosos.
Se o debate não convencer o governo e sua base no Congresso de que as propostas sob exame são no mínimo temerárias, podemos assistir à adoção de medidas erradas de difícil reversão e de efeito contrário ao que seus idealizadores imaginam. Não escaparíamos da “maldição”.