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Política

7 de ago de 2013 , 14h53

Lula mágico

Lula mágico

Como poucos, Lula reúne uma combinação virtuosa de carisma, faro político, sorte e habilidade para convencer o público de que é autor de muitos feitos históricos (discutíveis, bem entendido). Vários são os exemplos. Um deles é o pagamento da dívida com o FMI, citado por ele na entrevista para o livro: 10 Anos de Governos Pós-Neoliberais no Brasil: Lula e Dilma, na qual se gaba desses “feitos”.

Façamos justiça a Lula. Seu êxito no governo tem muito a ver com ele próprio. Ele abandonou ideias econômicas equivocadas do PT e abraçou os sadios princípios da política econômica de FHC. Isso exigiu coragem, pois a guinada desanimaria muitos companheiros. Sem a mudança, seu governo teria cometido desatinos que nos impediriam de aproveitar duas bonanças vindas do exterior: (1) a emergência da China como maior importador de nossas commodities; e (2) o longo período de prosperidade mundial e de liquidez abundante.

As bonanças externas se somaram a duas outras de origem interna: (1) os ganhos de produtividade decorrentes de reformas de governos anteriores; e (2) a disponibilidade de mão obra (taxa de desemprego de 11,7%). No exterior, investidores e analistas se impressionaram com o desempenho do Brasil, encantados pela virada pró-mercado do operário-presidente. Faziam um paralelo com as mudanças da social-democracia europeia no pós-guerra e com o novo trabalhismo (1997) do primeiro-ministro britânico Tony Blair. Hoje, a percepção mudou para pior, mas isso é assunto para outra oportunidade.

Voltemos ao FMI. Na entrevista, Lula fala de uma obsessão. “A mesma obsessão que eu tinha de não pagar aluguel. Eu tinha que acabar com o FMI, de não ter dívida com o FMI”. Ele se refere à antecipação do pagamento da dívida (2005) e citou o encontro com o então diretor-gerente do Fundo, Horst Koehler, quando garantiu honrar o acordo com o Fundo e fazer “o que deveria ser feito no país”. E completa: “O ajuste fiscal que nós fizemos em 2004 pouca gente teria coragem de fazer”. Antes disso, o PT pregava o “Fora o FMI!”. Agora, Lula prometia cumprir o acordo e seguir políticas “neoliberais” recomendadas pelo FMI.

O pagamento da dívida nada teve de excepcional. Compromissos com o FMI sempre foram honrados pelo Brasil, pontualmente. A novidade no governo Lula, é verdade, foi a antecipação da quitação. Ocorre que fatos como esse não dependem de uma ideia fixa, mas da existência de condições favoráveis. No período Lula, o ambiente internacional nos propiciou robustos superávits na balança comercial e forte ingresso de capitais estrangeiros. As reservas internacionais aumentarem de forma inédita. Hoje passam de 370 bilhões de dólares.

A antecipação do pagamento era recomendável por três motivos; (1) pela ampla disponibilidade de reservas, (2) pela conveniência de recuperar graus de manobra da política econômica e (3) pelo efeito político da medida em um país onde se imagina que acordos com o FMI afrontam a soberania. Mais do que uma obsessão, a medida dependeu de condições objetivas, particularmente o nível de reservas. Elas também existiam em outros países, os quais do mesmo modo anteciparam o pagamento da dívida com o Fundo. Antes do Brasil, fizeram o mesmo as Filipinas (2002), a Tailândia (2003) e a Rússia (2004). A Argentina antecipou em 2005; a Indonésia e o Uruguai em 2006.

Na sua conhecida propensão a se considerar o marco zero das glórias do Brasil, Lula não perde a chance de vangloriar-se de ter livrado o país das condicionalidades presentes nos empréstimos do FMI. Dada a sua competência em apregoar o que diz serem realizações sem precedentes, muitos imaginaram que a dívida externa havia sido paga. Como se recorda, a condenação ao endividamento externo foi uma das bandeias do PT, que chegou a promover um plebiscito entre seus filiados a respeito da suspensão do respectivo pagamento. Ainda que sem os riscos do passado, em virtude das bonanças e das ações comentadas, a dívida externa ainda está aí. Seu valor atual, de 325 bilhões de dólares, é inferior às reservas internacionais, o que nos faz credores líquidos com o exterior, inclusive o FMI. Muitos contribuíram para tanto, e não apenas Lula. Mas ele é mágico, não?

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