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Política

26 de ago de 2009 , 12h43

Lula e o mistério do desenvolvimento

Lula e o mistério do desenvolvimento

O presidente Lula parece considerar-se uma espécie de marco zero. Nada de bom teria acontecido antes dele neste país. O atual ciclo de desenvolvimento decorreria exclusivamente de sua ação e do zelo inédito devotado aos pobres. Não é bem assim.

O desenvolvimento é um processo complexo, que deriva de vasta gama de fatores – entre os quais realça a educação – e precisa de tempo para enraizar-se. É obra construída pela contribuição sistemática de vários governos. Depende da produtividade, que se nutre da ciência, das inovações e, assim, dos avanços na tecnologia.

Na verdade, a humanidade somente começou a viver o desenvolvimento depois da Revolução Industrial, iniciada no século XVIII na Inglaterra. A estagnação da renda per capita havia sido a característica da história. A Revolução desarmou a Armadilha Malthusiana e deu início à Grande Divergência.

A Armadilha deve seu nome ao demógrafo inglês Thomas Malthus (1776-1834), para quem o potencial de crescimento era limitado pela oferta de alimentos. A evolução da renda per capita dependia das taxas de natalidade e mortalidade. Exemplo: a peste negra aumentou o bem-estar dos sobreviventes. Malthus pregava a redução da natalidade como saída para a prosperidade.

A Grande Divergência começou em 1820. A renda per capita da Inglaterra passou a crescer descolada da demografia, graças ao aumento da produtividade da agricultura e da exploração do potencial agrícola da América. Antes, do nascimento de Cristo à Revolução Industrial, a produtividade evoluíra 24%. A economia crescia apenas 5% a cada século.

Uma instigante análise dessa realidade está no livro A Farewell to Alms, de Gregory Clark, da Universidade da Califórnia, que se juntou aos muitos que investigaram as razões pelas quais uns países ficam ricos e outros não. Além disso, ele buscou entender por que a Revolução Industrial aconteceu na Inglaterra e não no Japão, na Índia ou na China.

Polêmico, Clark descartou teorias explicativas desse mistério, inclusive a hoje mais aceita: a do papel exercido pela Revolução Gloriosa inglesa (1688). Em clássico artigo, Douglass North e Barry Weingast sustentam que as mudanças institucionais de 1688 puseram fim ao absolutismo, criando as condições para a Revolução Industrial. Clark diz que tais condições já existiam. Ele também valoriza as instituições, mas interpreta que elas contribuíram, ao longo do tempo, para as mudanças culturais que permitiram à Inglaterra livrar-se da Armadilha Malthusiana.

Para ele, tais mudanças culturais estão na origem do sucesso dos atuais países ricos, que os fez abandonar instintos primitivos de violência, impaciência e preguiça. De fato, as lutas mortais dos gladiadores, entre si e com as feras, divertiam os romanos. Execuções públicas eram populares na Inglaterra até o século XVIII. Esses instintos foram substituídos por hábitos fundamentais para o desenvolvimento: trabalho duro, racionalidade e valorização da educação. Alfabetização disseminada e habilidades aritméticas, antes irrelevantes, adquiriram importância para a Revolução Industrial.

O homem moderno teria emergido da ruptura da era malthusiana, em decorrência basicamente de quatro mudanças: a queda nas taxas de juros (ao lado do fim das leis de usura), a expansão da educação, o aumento das horas de trabalho e o declínio na violência interpessoal. A classe média cresceu. Valores como poupança, prudência, negociação e disposição para o trabalho se firmaram nas sociedades bem sucedidas.

Clark mostra que o desenvolvimento depende também de sorte, de acidentes e de contingências, tais como o crescimento populacional na Inglaterra depois de 1760, suas vitórias nas guerras napoleônicas e a expansão econômica dos EUA no século XIX, que foram fundamentais para a ruptura.

O Brasil também viveu avanços institucionais e mentais que nos trouxeram a democracia e a estabilidade. Lula não pode reivindicar o mérito exclusivo pelos respectivos frutos. Sua contribuição, decisiva, foi preservar a política econômica. Ele também deixará más heranças. Entre outras, um regime fiscal pior, os equívocos da política externa e, queira Deus que não, a lei do pré-sal.

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