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Política

4 de nov de 2015 , 21h10

Lula e o desprezo ao Estado de Direito

Lula e o desprezo ao Estado de Direito

O Estado de Direito e o respeito às leis parecem não ser relevantes para o ex-presidente Lula. Ao justificar as pedaladas fiscais da presidente Dilma, ele argumentou, de forma inacreditável, que elas foram feitas “para pagar o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida”. Mais grave ainda, Lula sugeriu que o governo usasse a mesma ideia para explicar à população o motivo do desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Pedalada é o nome que se deu a uma das artimanhas do Ministério da Fazenda, durante o primeiro mandato de Dilma, para encobrir gastos e tentar convencer que o governo cumpria metas fiscais. Foi uma ação inútil, pois a transparência das contas públicas, construída em períodos anteriores, permitiu que se detectasse a irresponsabilidade. Assim, muitos puderam denunciar essa contabilidade criativa, que veio a ser comprovada pelo Tribunal de Contas da União.

A pedalada funcionava assim: a Caixa Econômica Federal era orientada a pagar despesas a cargo do governo – como as do Bolsa Família –, mesmo sem ter recebido os correspondentes recursos. A operação configurava um empréstimo ao Tesouro, o que é vedado pela LRF.

Justificar a violação da lei com fins supostamente nobres é admitir o arbítrio e desprezar o Estado de Direito, segundo o qual todos são iguais perante a lei e a ela devem obediência. O conceito, antigo, consolidou-se a partir do século XVII. O Iluminismo estimulou os movimentos de oposição ao absolutismo dos reis e à ideia do poder divino do monarca, que o situaria acima da lei. Em inglês, diz-se rule of law, que significa também o império (ou o governo) da lei (e não dos homens). Ninguém se sujeita ao arbítrio dos que exercem o poder.

O Estado de Direito limitou o poder dos governantes e garantiu a prevalência dos direitos individuais inerentes aos cidadãos: vida, propriedade privada e igualdade perante a lei. E também liberdade de expressão, de associação e de religião. O governo nasce do consentimento dos cidadãos, os quais têm autonomia para definir a própria concepção de felicidade.

Entre o fim do século XIX e meados do século XX, surgiu a percepção de que as persistentes desigualdades sociais ameaçavam a democracia e outros valores do liberalismo. Daí as ideias de regulação dos mercados, legalização dos sindicatos de trabalhadores e tributação progressiva dos mais ricos para financiar programas sociais. Nasceu o Estado de Bem-Estar Social.

O Estado de Direito e o Estado de Bem-Estar Social contribuíram para a chamada Grande Divergência, isto é, a aceleração no ritmo de desenvolvimento capitalista dos últimos 150 anos. Do ponto de vista econômico, a estrita observância da lei pelos governantes, a competição nos mercados e o ambiente de negócios propício ao investimento e à inovação impulsionaram a produtividade, que é o motor por excelência do crescimento da economia. No campo social, a ação do Estado propiciou a redução das desigualdades e da pobreza. No século XVIII, 90% dos europeus eram pobres. A proporção se inverteu: os pobres são hoje, ali, apenas 10% da população. A pobreza abjeta praticamente desapareceu.

A esta altura do campeonato, como se diz, custa crer que um ex-presidente da República e membros do PT defendam o arbítrio na ação do governo como se fosse possível confrontar o Estado de Direito e desobedecer à lei caso necessário para preservar programas sociais. Pior, sabe-se que teria sido possível remanejar recursos para priorizar esses programas. As pedaladas não passaram, assim, de uma ação deliberada para disfarçar a grave situação fiscal.
Ao adotar a mentira contábil para esconder o descalabro fiscal, o governo petista infringiu a LRF. O argumento de Lula é o mesmo dos que se oponham ao regime militar. Justificavam a “expropriação” dos bancos para financiar ações violentas tidas como corretas.

Lula parece não ter percebido as transformações na sociedade, que agora rejeita a inflação como instrumento de ação governamental, a corrupção como método para exercer o poder e a desobediência à lei como discurso político populista.

O império da lei é uma conquista civilizatória. Disso depende o desenvolvimento.

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