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Economia

8 de abr de 2015 , 15h17

Longe do colapso

Longe do colapso

Há uma onda de pessimismo no país. A herança da má gestão da economia, cuja mediocridade não se deve à crise internacional, criou o temor de colapso. Fala-se em “sarneyzação”, isto é, a perda de capacidade de articulação política para aprovar medidas indispensáveis. Pede-se o impeachment de Dilma na ilusão de que isso estancaria a crise econômica e restauraria o crescimento.

Não há condições para o impeachment, à falta de prova do envolvimento dela no petrolão e porque a medida exige o apoio de mais de dois terços das duas Casas do Congresso, o que dificilmente existiria. Certo, o impeachment mostraria a força das instituições, pois ocorreria na forma da lei e sem maiores traumas políticos, como no caso de Collor. Mas a paralisia política durante o processo pioraria a economia e o pessimismo.

Se Dilma sair, o vice-presidente assumirá, mas não poderá melhorar rapidamente a economia. A mediocridade nos próximos anos está garantida. E pode ressurgir o pedido de impeachment. Acontece que esse instrumento não é para interromper mandato de governante incompetente, mas daquele que comete crime de responsabilidade.

A ideia de sarneyzação despreza o contexto da época do ex-presidente. Serve apenas para raciocinar sobre os riscos da atual crise, que pode originar acidentes de percurso. O país aguentaria? Não tenho dúvida em dizer sim. Vivi, como ministro da Fazenda, aqueles dias difíceis. O Brasil está hoje mais preparado para singrar mares turbulentos.
Construímos desde então instituições sólidas. A democracia se consolidou. A imprensa é livre e independente. O Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal investigam, com autonomia, o maior escândalo de corrupção do país. O Congresso funciona normalmente.

Na economia, nem tudo está perdido. Apesar dos desmandos de tempos recentes, permanece o legado dos últimos trinta anos de robustas instituições fiscais. O sistema financeiro é sólido, sofisticado e bem capitalizado. Como proporção do PIB, a oferta de crédito chega a ser quase três vezes maior. O mercado de capitais é amplo. Nossos mercados futuros se comparam aos dos países ricos e permitem às empresas recorrer a mecanismos de hedge para que se protejam da volatilidade. A indústria sofre, mas continua complexa e diversificada. O agronegócio se tornou um dos nossos mais competitivos segmentos.

O regime de câmbio flutuante, introduzido em 1999, está sendo gradualmente restaurado pela atual equipe econômica. Trata-se da primeira linha de defesa contra pânicos e fuga de capitais. As reservas internacionais atingem quase 400 bilhões de dólares, valor superior ao da dívida externa. O país é credor líquido internacional e goza de acesso irrestrito aos mercados mundiais de capitais. Naquele passado, as reservas eram de apenas 9 bilhões de dólares, o país estava em moratória acordada com os credores e seu acesso ao crédito externo se limitava praticamente às linhas de comércio exterior. O superávit primário vai voltar. O Banco Central recuperou autonomia para agir e evitar o descontrole inflacionário.

No campo social, a pobreza e as desigualdades diminuíram desde o Plano Real. Somos agora uma sociedade de classe média, que é  intolerante com a alta inflação e a corrupção e uma poderosa força de apoio às instituições. Foi ela, sem dúvida, a parcela mais expressiva dos quase 2 milhões que saíram às ruas no dia 15 de março para se dizerem insatisfeitos com a situação do país. Nenhum governo é insensível a tal movimento.

Um acidente de percurso seria a saída do ministro da Fazenda, que traria o risco de perda do grau de investimento, com graves consequências para a economia e o bem-estar. Se a Petrobras não for capaz de apresentar seu balanço auditado até o fim de maio próximo, isso pode provocar o mesmo efeito. É provável, todavia, que nenhum desses dois eventos se materialize, mas, se acontecerem, a economia poderá resistir bem melhor do que no período Sarney.
Em resumo, a crise política é grave, seus efeitos na economia não podem ser desprezados, mas não há risco de colapso, menos ainda de vivermos situações mais difíceis como a da Argentina, ou desesperadoras, como a da Venezuela. Não dá para esmorecer.

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