Economia
21 de mar de 2012 , 19h04Lições da Europa para uma utopia tributária
O ICMS é uma confusa versão do seu original, o ICM (sem o “s” de serviços), criado em 1965 com a maior reforma tributária do país. Regras orientadas pelo aspecto jurídico-formal deram lugar a outras baseadas em conceitos econômicos. A reforma contribuiu para o forte crescimento de 1968-1973 (o PIB subiu a taxas chinesas, de 11,1% na média anual).
O ICMS tributa o consumo pelo método do valor agregado. Em cada etapa, registra-se o imposto devido e se abate o valor pago na anterior. Se a alíquota for de 18%, por exemplo, em cada etapa terá sido pago 18% sobre o que se agregou de custos e lucros ao valor da mercadoria ou do serviço. Na última, a do consumidor, a soma de todos os pagamentos corresponde, em tese, ao valor efetivo do imposto.
Esse tipo de imposto nasceu na França em 1954 com o título de taxe sur la valeur ajoutée (TVA). Foi uma revolução. Eliminava-se a tributação em cascata, isto é, a incidência continuada do imposto sobre ele mesmo. Nesse método, não se sabe quanto foi pago até a etapa final.
A tributação em cascata reduz a eficiência. As empresas buscam economizar o imposto produzindo quase tudo, em vez de se concentrar no que fazem melhor. Com o TVA, o valor final do imposto é o mesmo, sejam quantas forem as etapas. O método facilita a especialização e a descentralização, gerando ganhos de produtividade. Nas exportações, nada se cobra na saída e se credita ou se devolve o imposto recolhido nas etapas anteriores. O bem ou serviço exportado fica imune ao imposto, o que é impossível na tributação em cascata. O TVA aumenta a competitividade.
Por suas inúmeras vantagens, o TVA se espalhou pelo mundo. A Comunidade Econômica Europeia (atual União Europeia) o tornou obrigatório para seus membros em 1967, sob o nome de IVA (imposto sobre o valor agregado) ou VAT (valued added tax, em inglês). A Dinamarca o adotou em 1967, seguida da Alemanha em 1968 e do Reino Unido e da Itália em 1973. E assim por diante. Estabeleceu-se a harmonização de regras e alíquotas, para minimizar sua dispersão.
O Brasil o implementou em 1967, antes de muitos países, mas em vez de um IVA nacional o imposto foi atribuído à União (IPI) e aos estados (ICM). Os municípios ficaram com o imposto sobre serviços (ISS), em cascata. A harmonização decorria de restrições para os estados fixar normas e alíquotas, que cabiam ao Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) e ao Senado.
A Constituição de 1988 deu aos estados o poder de criar regras e alíquotas. A harmonia desmoronou. Virou bagunça. Surgiram 27 confusas e complexas legislações estaduais. A desoneração das exportações ficou quase impossível. O caos se acelerou com o uso desbragado da substituição tributária do ICMS, pela qual se cobra, na produção, o imposto devido até a etapa final, o que é bom para inibir a sonegação e ruim para a eficiência. A substituição tributária presta-se ao arbítrio fazendário, aumenta os custos e reduz a produtividade. O ICMS adquire o caráter da velha cascata. Regredimos quase meio século.
A bagunça prejudicou o crescimento. A situação tende a piorar. Os governadores não têm incentivos para inibir o caos. Põem e dispõem frequentemente sobre o ICMS e podem fazer guerra fiscal. Diz-se que a autonomia federativa exige que os estados tenham e comandem o imposto. Não é assim nos países que adotam o IVA.
A Europa foi a inspiração para o ICM e o IPI. Sua crise atual fornece outras lições. Lá, busca-se a saída via união fiscal, isto é, com mais centralização e menos soberania. De há muito, isso acontece na tributação. Os países da União Europeia não podem mudar o IVA a seu bel prazer como os estados no Brasil.
Aqui, o equivalente no campo tributário seria um IVA nacional, abrangendo o IPI, o ICMS e o ISS e distribuído automaticamente entre as três esferas de governo. A bagunça acabaria. O potencial de crescimento e bem-estar se elevaria. A mudança reduziria a autonomia de estados e municípios, o que implica enorme complexidade política e financeira. É uma utopia, sim, mas não custa sonhar. Afinal, é assim em federações mais fortes como Alemanha, Áustria, Austrália e Nova Zelândia. Por que não no Brasil?