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Economia

6 de ago de 2008 , 15h05

Leituras equivocadas

Leituras equivocadas

Economistas de esquerda e outros nem tanto afirmam que no governo FHC prevalecia a visão de que o livre mercado e a estabilidade dos preços bastavam para garantir o desenvolvimento. Ao Estado caberia ver a profecia realizar-se. Pura desonestidade intelectual.

Agora, com a crise financeira nos EUA e a decisão do Federal Reserve de salvar o Bear Sterns, fala-se que sua origem seria a desregulação dos mercados financeiros. A intervenção do Fed teria decretado o fim do neoliberalismo (seja lá o que isso signifique). Estaria de volta a era da regulação. Pura desinformação.

Para se aceitar a primeira tese, ter-se-ia que admitir o embotamento mental do ex-presidente e de sua equipe. É difícil crer que aquele time fosse despreparado a ponto de atribuir à estabilidade e ao livre mercado papel exclusivo no crescimento.

Seria preciso também esquecer as reformas institucionais do período, destinadas a elevar o investimento e a produtividade. A lista é enorme. Destacam-se a privatização das telecomunicações, a abertura do mercado de petróleo e de energia elétrica, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a criação ou reestruturação de agências reguladoras.

Essas reformas enfrentaram a resistência de poderosas corporações e a ferrenha oposição do PT. Se bastasse a estabilidade, por que enfrentar os dissabores políticos derivados de esforço reformista de tal magnitude? Seria burrice.

A tese do fim do neoliberalismo e do renascimento da regulação tampouco faz sentido. Basta ler os inúmeros artigos e reportagens publicados sobre o tema e o extenso estudo do FMI (Global Financial Stability Report, disponível em www.imf.org/external/pubs/ft/gfsr/2008/01/index.htm).

Mais ou menos a cada década, os mercados financeiros enfrentam crises, cujas lições propiciam melhorias na regulação, preservando a capacidade de inovação do sistema e assim sua contribuição para o desenvolvimento.

Uma das origens da atual crise foi a proliferação de complexos produtos financeiros e de modelos de negócios que expuseram excessivamente os bancos a riscos de queda de confiança e de ruptura na oferta de fundos. As hipotecas subprime, outra origem, foram securitizadas via tais instrumentos. Tudo isso contribuiu para a turbulência.

Outra causa foi a complacência na gestão de riscos de liquidez. O longo período de juros baixos e de ampla liquidez acostumou os bancos à fácil captação no atacado. Assim, não se preparam adequadamente para eventos adversos limitadores do acesso a recursos.

Do que se viu, a crise pode ser explicada tanto pela forma como as instituições financeiras operavam quanto pela frouxidão da política monetária americana, que promoveu a ampliação da liquidez.

Nos países ricos, havia sido criada uma falsa impressão de segurança. Daí as atuais demandas por uma reforma geral do sistema financeiro, abrangendo maior regulação dos respectivos mercados. Talvez por isso, no Brasil se imagina que estamos no marco zero, como se a regulação tivesse sido extinta pelo neoliberalismo.

Felizmente, lá fora têm prevalecido vozes sensatas no debate do tema. Em tempos como este, existe a tentação de inibir a assunção de riscos pelos mercados, mediante ampla e equivocada regulação, que mais tarde inibiria o processo de inovação e o aumento do potencial de crescimento.

Mais uma vez, os reguladores ficaram para trás em sua tarefa de identificar imprudências, perceber riscos e impor medidas para preservar a higidez do sistema. A eles cabia entender a complexidade dos produtos financeiros, identificar os mecanismos que permitiam aos bancos registrar operações fora de seus balanços e exigir a alocação de maiores níveis de capital para as operações de risco mais elevado.

Há um alerta geral para o risco de novas ações regulatórias causarem mais problemas do que soluções. Como disse o FMI no citado relatório, as autoridades devem evitar uma “corrida para a regulação”, especialmente com medidas “que sufoquem a inovação ou possam exacerbar a atual contração de crédito”.

Não há dúvida de que virão novas regras. Seu objetivo será melhorar o funcionamento do sistema, prevenir crises semelhantes e manter desobstruída a avenida da inovação. Até que apareça uma nova crise. Nada a ver, pois, com mercados desregulados ou com o fim do neoliberalismo.

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