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Política

20 de abr de 2008 , 16h18

Keynes não voltou

Keynes não voltou

Bancos centrais nos EUA e no Reino Unido salvam instituições financeiras do colapso. O presidente Bush obtém aprovação do Congresso para devolver impostos e assim manter o apetite dos americanos pelo consumo. Aqui, essas ações têm sido vistas como prova do abandono do chamado neoliberalismo e de mercados desregulamentados. Keynes estaria de volta. Será?

A “Teoria Geral” de John Maynard Keynes é um dos mais influentes livros de economia da história. Ainda hoje idéias da obra continuam em uso, como a de que há inflação quando a economia se aproxima do pleno emprego, que é a base da “taxa natural de desemprego” adotada pelos bancos centrais para avaliar riscos inflacionários.

O livro saiu em 1936, quando havia recorde de desemprego. Keynes buscou diagnosticar suas causas e propor medidas para reduzi-lo. Mostrou que a economia não sairia naturalmente da depressão, como se acreditava.

Um grande insight foi identificar os efeitos comportamentais da perda de riqueza derivada do crash da bolsa de 1929. As famílias passaram a consumir menos e a poupar mais, visando a restabelecer níveis anteriores de riqueza. Formou-se um excesso de poupança sobre o investimento, que agravava o problema.

Diferentemente de outras recessões, dizia Keynes, a queda dos salários não reduziria o desemprego. Era preciso eliminar o excesso de poupança via gasto público. O déficit seria financiado pela poupança excedente.

Ainda há dúvidas se a solução da crise veio da adoção dessas idéias ou dos gastos com a Segunda Guerra. O certo é que aquela situação se repetiu somente nos anos 1990, no Japão.

Seja como for, muitos políticos viram ali a desculpa para aumentar os gastos. Tornaram-se gostosamente keynesianos. Muitos economistas, em especial os de esquerda, aderiram às idéias. A obra se tornou livro-texto mundial por mais de 40 anos.

Entre os anos 1970 e 1980, o keynesianismo perdeu proeminência. Não resistiu às críticas baseadas em novas pesquisas, no aprendizado e nas distorções da intervenção estatal na economia, como a inflação do período. Hoje, nem os neokeynesianos apoiam o ativismo estatal do passado.

Ao contrário do que se disse, o mercado financeiro americano é fortemente regulamentado. São muitos os órgãos reguladores que supervisionam as instituições financeiras. Por isso, o governo Bush tem proposta para racionalizar esse cipoal, a qual vinha sendo gestada antes da crise.

Há uma percepção ao redor do mundo, a meu ver correta, de que a liberdade para formar produtos financeiros esquisitos e a forma como eram avaliados pelas agências de classificação de riscos (rating) contribuíram para a turbulência. Daí a demanda por maior regulação, desta vez abrangendo essas agências.

Em 11/4/2008, os ministros do G-7 apoiaram propostas para fortalecer a regulação quanto a exigências de capital, liquidez e gestão de riscos do sistema financeiro. As medidas poderiam incluir melhoria na transparência e na avaliação das carteiras, bem como o papel e o uso das informações das agências de rating.

Para a The Economist, é natural e adequado que se busque aprender lições da crise. É assim que o sistema tem melhorado e contribuído para o desenvolvimento. Antes de se lançarem às reformas, todavia, os governos “precisam estar certos das causas da crise e entender quão pouco os reguladores podem fazer”.

Regular não é heterodoxia, nem descrer do mercado e sim fazê-lo funcionar de forma mais eficiente e segura. Ocorre que os reguladores não conseguem prever o perigo de novas idéias, a não ser que inibam a inovação e evitem que os mercados assumam riscos.

Daí por que, diz ainda a mesma revista, “um sistema sofisticado e inovador pode provocar um boom destrutivo, mas um outro simples e muito regulado condenará a economia ao baixo crescimento”.

Salvar bancos cujo colapso possa por em risco a estabilidade do sistema financeiro e do sistema de pagamentos é função irrecusável de governos responsáveis com vistas a preservar o funcionamento do mercado. É ortodoxia pura. Reduzir impostos dos indivíduos, como faz agora o governo Bush, pouco tem a ver com as idéias de elevação dos gastos da época da “Teoria Geral”. Nada disso é keynesiano.

As ideias de Keynes podem voltar por outras razões. Ajustes de regulação do mercado financeiro são naturais e não keynesianos.

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