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Política

15 de jul de 2015 , 22h00

A irresponsabilidade fiscal do Congresso

A irresponsabilidade fiscal do Congresso

Desde a República, o Congresso demonstra irresponsabilidade fiscal e descaso com o impacto orçamentário de atos seus. Vejam-se episódios recentes de fragilização do fator previdenciário, indexação de todas as aposentadorias do INSS ao salário mínimo e aumento de até 78% para servidores do Judiciário em plena crise econômica. Mais triste, essa loucura teve o voto da oposição, em especial do PSDB.

Na República Velha ((1889-1930), o Executivo só podia sancionar ou vetar todo o projeto de lei do orçamento da União. Eram comuns emendas estranhas à finalidade da peça orçamentária. Versavam sobre assuntos suscetíveis de veto caso fossem propostos via projeto de lei. Eram as “caudas orçamentárias”.

Desde a Magna Carta inglesa (1215), o orçamento esteve na origem e na força institucional dos parlamentos. Aqui, era habitualmente desmoralizado. No livro “Uma Introdução à Ciência das Finanças” (1969), Aliomar Baleeiro diz que o orçamento era usado “até para nomeações e promoções de funcionários públicos”. Servia também para dar nomes a ruas. Rui Barbosa falava em “orçamentos rabilongos”, tão grande era a cauda.

Segundo Baleeiro, “o mau costume atingiu as raias do escândalo” em 1922. O presidente Epitácio Pessoa vetou o projeto. Em 1926, a Constituição ganhou uma norma acaciana ainda em vigor. Está no art. 165, parágrafo 8º da Constituição de 1988, que diz: “a lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa”, uma ululante obviedade.

Sob a Constituição de 1946, as emendas orçamentárias proliferavam, contribuindo para expandir a despesa e para a inflação. Por isso, a Constituição do regime militar (1967), proibiu as emendas, negando a essência do Congresso. Na Constituição de 1988, as emendas voltaram, sob certas limitações e sem a maioria dos efeitos nocivos do passado.
Uma explicação para a irresponsabilidade é o desrespeito à “restrição orçamentária”, que define as opções de consumo de um agente econômico diante do limite de sua renda. No governo, o limite é dado pela arrecadação e pela capacidade de endividamento, que também tem teto. Excesso de dívida leva à insolvência e a outras consequências desastrosas. A maioria dos parlamentares parece não crer na finitude dos recursos.

Outra explicação, mais contundente, é ausência de conexão, aos olhos da sociedade, entre a ação do Congresso e seus efeitos. A aprovação de projeto danoso às finanças públicas, mas favorável a certos grupos, como o dos aposentados, é comemorada com vivas ou o Hino Nacional. Se, mais tarde, sobrevêm ineficiências, inflação, recessão e desemprego, a culpa é atribuída ao Poder Executivo. Sobram, pois, incentivos à irresponsabilidade. No limite, a prevalência da racionalidade política individual pode levar ao colapso da economia.

A irresponsabilidade tende a ser neutralizada se o sistema político dispuser de fortes e responsáveis lideranças no Executivo, no Legislativo ou em ambos. Formam-se as condições para pensar o coletivo. Prevalecem os interesses legítimos e difusos da sociedade, principalmente o desenvolvimento sustentável, e não projetos individuais.
Essas condições não existem atualmente. No Executivo, as limitações de liderança da presidente da República a impedem de alcançar o duplo objetivo que se espera do chefe do governo no Brasil: aprovar sua agenda no Congresso e evitar “bolas nas costas” de leis fiscalmente ruinosas. Ela terceirizou a gestão da economia e a articulação política, mas não tem como fazer isto mesmo com sua liderança. No Congresso, os líderes privilegiam seus próprios interesses. Basta ver as decisões com grave impacto fiscal e o encaminhamento, a toque de caixa, de uma reforma política errática e mal pensada.

Muitos celebraram o protagonismo do Congresso na presente legislatura. Houve quem enxergasse um arremedo de parlamentarismo, que, na verdade, é algo muito diferente. Ocorre que protagonismo sem coordenação, inclusive de partidos dotados de disciplina e sólida base programática, pode ser o caminho para o desastre.
Precisamos de um Congresso fiscalmente responsável e, o que dá no mesmo, partidos dignos do nome.

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