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Política

20 de jul de 2008 , 15h36

Inovações e despreparo

Inovações e despreparo

Uma das vantagens da globalização é a difusão do conhecimento. A tecnologia passa de um país para outro e aumenta o bem-estar. De fato, os países em desenvolvimento não precisaram inventar a geladeira, o automóvel, o telefone, o computador e outros bens. Nem investir em pesquisa de medicamentos ou na geração de equipamentos eletrônicos de diagnóstico, que aumentaram a expectativa de vida.

A transferência de tecnologia se faz a uma velocidade cada vez maior. Foram necessários 90 anos para o telégrafo se espalhar por 80% dos países em desenvolvimento, mas apenas 16 para o mesmo acontecer com o telefone celular, que também queima etapas: em muitos lugares da África e da América Latina chegou antes do telefone fixo.

Os modernos serviços financeiros – essenciais para o desenvolvimento – nasceram de séculos de evolução institucional no mundo anglo-saxônico e se espalharam para outros países.

Ocorre que as novidades podem chegar em contextos ambientais menos evoluídos e causar problemas desnecessários. É o caso do automóvel, cujo uso se difundiu em países caracterizados por baixo nível educacional, menor rigor na punição de contravenções do trânsito e estradas mal conservadas. Resultado: perdas de vida em proporção maior do que nos países ricos.

No Brasil, esse contraste é inequívoco no sistema financeiro. Em meio a crises e avanços, o nosso se tornou sólido e dotado de tecnologia e sofisticação operacional semelhantes aos melhores do mundo. Nos últimos anos, gerou um ciclo inédito de crédito, que contribuiu para elevar o potencial de crescimento da economia.

Infelizmente, ainda prevalecem o preconceito e a desinformação sobre o seu funcionamento, que aumentam nas operações com moeda estrangeira. A anacrônica legislação cambial, da época da aguda escassez de divisas, permite que crimes de sonegação fiscal e corrupção sejam vistos como de evasão de divisas.

O Brasil e as regras cambiais evoluíram. Tornou-se possível fazer remessas internacionais de reais; transferir divisas sem limite para cobrir gastos de educação e saúde; abrir conta, ter cartão de crédito e investir no exterior. Não é preciso autorização prévia para cobrir margens em operações de bolsas estrangeiras. E por aí afora. O Banco Central se tornou autônomo para defender a estabilidade e a Comissão de Valores Mobiliários regula bem o mercado de capitais.

Com essas transformações, surgiram competentes gestores de recursos, capazes de oferecer inúmeros tipos de investimento. Os fundos de pensão e assemelhados se fortaleceram. Ambos constituem a nova face do sistema financeiro e já constituem, direta ou indiretamente, a principal fonte de financiamento da economia e já incluem o crédito de longo prazo.

Infelizmente, a complexidade de muitas das operações desse novo mundo, legais e legítimas, escapa ao entendimento de grande parte da sociedade brasileira. Pior, as deficiências do sistema educacional, visões pueris do sistema financeiro e a ideologia produzem confusões inacreditáveis em investigações de supostos crimes financeiros.

É o que se viu da recente operação Satiagraha da Polícia Federal. As partes do relatório que vieram a público indicam um alarmante desconhecimento das operações do sistema financeiro. Daí a ridícula a afirmação de que um dos detidos soubera, com antecedência de 20 dias, que o Federal Reserve americano reduziria a taxa de juros em 0,50 ponto percentual. Essa seria uma prova de seu acesso a informações privilegiadas. Por essas e outras, as acusações de lavagem de dinheiro, transferências ilegais de recursos para o exterior e evasão de divisas dificilmente se sustentarão.

O que se viu foi, mais uma vez, o espalhafato da operação, a improcedência de afirmações e prisões baseadas em inquéritos mal formulados. O natural prende-e-solta deve ter reforçado a ideia de que os ricos não mofam na prisão. Já os investigados, muitos provavelmente com culpa em outros cartórios, poderão derrubar na Justiça as acusações infundadas.

Um país que se moderniza e adquire crescente respeito externo não pode conviver com essa situação. É preciso investir no preparo dos policiais, dos procuradores e dos juízes. Quando a ideologia e o preconceito estão ausentes, não é difícil entender como funciona o sistema financeiro.

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