Economia
24 de fev de 2010 , 17h59Inflação: lições não aprendidas
A estabilidade de preços tem sido a regra em praticamente todo o mundo, mas a inflação foi recorrente nos anos 1960 a 1980. Nos Estados Unidos e no Reino Unido, chegou perto de 20% anuais. No Brasil, passou de 100% em 1979.
Duas escolas explicavam o fenômeno: a estruturalista e a monetarista. Para a primeira, a inflação era uma questão distributiva: grupos sociais mais poderosos se apropriavam da renda criada pelo desenvolvimento. A saída seria enfrentar esse processo.
Para a segunda, a inflação tinha origem monetária. A expansão da moeda – provocada por um déficit público financiado pelo Banco Central – aumentava a demanda a um ritmo mais rápido do que o da produção. Era preciso controlar a oferta de moeda.
A visão estruturalista era a de economistas que pensavam como os da Cepal. Entre os monetaristas pontificava Milton Friedman. Os estruturalistas, de esquerda, chamavam os monetaristas de direita. Monetarista era xingamento hoje equivalente a neoliberal.
A esquerda adorava as “políticas de renda”, que permitiriam combater a inflação sem dor, preservando o crescimento. Em vez de contrair a moeda, que gerava recessão, o governo reduziria a demanda via negociação de salários, lucros e aluguéis.
As políticas de renda fracassaram. Não dava para coordenar tantos interesses. Nos anos 1980, os países ricos derrotaram a inflação com medidas monetárias. Os bancos centrais foram fundamentais. Na década seguinte, foi a vez dos países em desenvolvimento.
O caso brasileiro era singular. Aqui havia a inflação inercial. Com a indexação generalizada, a inflação de hoje determinava a de amanhã, que determinava a de depois de amanhã e assim por diante. Se os períodos de indexação se reduzissem, a roda acelerava e a inflação subia sempre.
Para vencer inércia, havia que quebrar a indexação para eliminar essa infernal cadeia de transmissão. O recurso ao congelamento de preços e salários não deu certo. Inventamos uma saída: convergir todos os preços a um único indexador, que viraria a própria moeda. Esse foi o desenho do Plano Real (1994), que funcionou.
Antes desse plano, o Brasil esteve próximo dos estruturalistas. O combate à inflação incluía controles de preços, intervenções nos mercados agrícolas e no comércio exterior. Subsidiariamente, havia limites aos empréstimos do BB e do BC. Depois do plano, a estabilidade foi mantida com medidas que antes seriam tachadas de monetaristas.
Em 1999, o Brasil adotou o regime em que o governo fixa metas para a inflação e o BC tem autonomia para persegui-las via manejo da taxa de juros. Tem dado certo. Outros países latino-americanos fizeram o mesmo. Inflação alta está hoje restrita aos casos da infeliz Venezuela e da incompreensível Argentina, onde o BC virou caso de polícia.
Meio século de tolerância à inflação formou aqui uma cultura leniente à subida dos preços, que ainda sobrevive. Nos anos 1950 e 1960, se dizia que expandir moeda, via crédito, para aumentar a produção não era inflacionário. Tese furada, mas muito aceita. Antes de a produção acontecer, o crédito permitia pagar salários e insumos, elevando a demanda.
Nem todos aprenderam a realidade. Outro dia, conhecido político paulista assinou artigo em que condenou o combate à alta dos preços “via diminuição da demanda”. O certo seria o “aumento da produção”. Um comentarista defendeu uma tese incrível: o BC não aumenta os juros para combater a inflação, mas porque é contra o crescimento.
Um crítico do BC ressuscitou a “política de rendas”. A inflação seria combatida mediante “coordenação entre as políticas monetária, fiscal, cambial e outras, para que sejam coerentes entre si e se subordinem conjuntamente a fins econômicos e sociais definidos pelo poder político da nação”. Bonito, mas errado.
O BC vive sob tiroteio intenso. Sugere-se que receba ordens para diminuir os juros. Na Fazenda, onde deveria imperar o silêncio sobre juros, fala-se nisso o tempo todo.
Aprendemos que a inflação inibe o investimento, conspira contra o crescimento e é cruel com os pobres. É a mais perversa forma de tributar. Resta aprender como manter a estabilidade. Não é com ações voluntaristas nem com ideias velhas.