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Economia

17 de abr de 2013 , 16h37

A inflação de Dilma

A inflação de Dilma

Dias atrás, na África do Sul, a presidente Dilma disse não concordar “com políticas de combate à inflação que olhem (sic) a redução do crescimento econômico”. Disse mais: “Esse receituário, que quer matar o doente, em vez de curar a doença, é complicado”. E concluiu “Essa é uma política superada”. Depois, com a repercussão negativa da declaração, falou certo: “O combate à inflação é um valor em si”. Dilma sabe que a inflação corrói a renda dos trabalhadores, pode derrubar sua popularidade e atrapalhar o projeto de sua reeleição. No Brasil de hoje, inflação descontrolada é suicídio político.

No dia seguinte, o Relatório Trimestral de Inflação do Banco Central (BC) foi bem didático sobre o assunto. “Taxas de inflação elevadas geram distorções que levam a aumentos dos riscos e deprimem os investimentos”. A inflação subtrai “o poder de compra de salários”, reduzindo “o potencial de crescimento, bem como a geração de emprego e de renda”.

Nos Estados Unidos, a inflação anual atingiu 13,5% em 1980, por excesso de demanda. Fato gravíssimo para padrões americanos. Para combater a alta dos preços, o Federal Reserve elevou brutalmente a taxa de juros. Houve recessão e aumento do desemprego, mas a inflação foi dominada. Na Europa, diante do mesmo problema, a esquerda protestou: onde já se viu combater inflação com recessão?

A esquerda defendia outra saída: uma “política de rendas”. Trabalhadores e empresários negociariam entre si. Os primeiros moderariam as reivindicações salariais e os segundos sacrificariam parte dos lucros. A demanda cairia e com ela a inflação. O emprego seria mantido. Acontece que isso nunca poderia funcionar. Não havia como coordenar todos os interesses envolvidos. Seriam necessários muitos estádios para abrigar os negociadores. Eleger representantes era complicado. A solução veio com o velho, provado e eficaz instrumento: a taxa de juros. O benefício superava o custo.

O Brasil tolerou por décadas uma inflação elevada, que agravou as nossas desigualdades sociais. Surgiu uma cultura de indexação e de defesa: preços, salários e contratos se indexavam à inflação passada. Os preços subiam pelo excesso de demanda, mas a inflação se propagava pelo mecanismo de indexação e se acelerava quando havia más safras, altas do petróleo e maxidesvalorizações cambiais. A inflação brasileira tinha, pois, um complicador: a indexação generalizada, que foi vencida em 1994 pelo Plano Real após cinco outras tentativas fracassadas.

Quando a inflação aumentou nos anos 1980, a esquerda brasileira também condenou as ações para combatê-la e defendeu ilusões. Celso Furtado escreveu um best-seller: Não-Não à recessão e ao desemprego. Na América Latina, falava-se que a inflação era estrutural e não de demanda. No Brasil, propunha-se vencê-la com mais produção. Acontece que antes é preciso investir, aumentando a capacidade de produzir. A demanda aumenta antes da oferta, agravando o desequilíbrio e a inflação.

Dilma parece prisioneira dessas visões. Dá a entender que acredita ser possível vencer a inflação sem reduzir a demanda. Além disso, em seu governo, o instrumento eficaz, a taxa de juros, se transformou em bandeira política. Até a oposição a elogia pela decisão de impor ao BC a queda da Selic. Por isso, ela resiste à ideia de aumentar a taxa de juros e à sua natural consequência: a queda temporária do ritmo de crescimento. Prefere controlar o preço da gasolina, adiar o aumento de tarifas de ônibus e trens, reduzir tarifas de energia e desonerar a cesta básica.

A experiência mostra que essas medidas alteram preços relativos, podem aliviar momentaneamente a inflação, mas não eliminam suas causas, que estão, vale repisar, no excesso de demanda. Como em qualquer doença, adiar o tratamento pode exigir doses maiores do remédio, que tendem a prostrar mais o doente do que quantidades menores em momentos apropriados. Na verdade, o que mata o doente é a ausência de tratamento ou prescrições equivocadas.

Tudo indica que a inflação do atual governo ficará acima da meta de 4,5%, já em si muito alta. Sem o emprego da receita certa, ela pode fugir do controle. Será que a presidente Dilma vai autorizar o BC a agir?

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