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Economia

11 de jan de 2012 , 20h34

Imposto na nota fiscal

Imposto na nota fiscal

Na economia, não bastam boas ideias. Elas precisam ser viáveis. Seus custos não devem exceder os benefícios e assim evitar perdas para a sociedade. Exemplo de boa ideia é explicitar os impostos na nota fiscal. Ao saber quanto paga, diz-se, o consumidor se conscientizaria do seu enorme custo, cobraria do governo a adequada aplicação dos recursos e forneceria apoio político para a realização da reforma tributária. Tudo muito correto. O diabo, como sempre, mora nos detalhes. O custo excederia os benefícios.

Os defensores da ideia se inspiram em exemplo não aplicável ao Brasil, o do sales tax americano, um imposto sobre vendas a varejo cujo valor é registrado na nota. O Brasil utiliza um método distinto, o do imposto sobre o valor agregado, que é arrecadado ao longo da cadeia de produção e consumo. O sales tax existe somente nos Estados Unidos e em uma ilha do Caribe. Por incidir apenas na venda final, tem elevado potencial de sonegação, o que é minimizado por suas alíquotas relativamente baixas, a maioria entre 6% a 8%. Isso é possível nos Estados Unidos porque o grosso da carga tributária americana vem de impostos sobre a renda e a propriedade e não sobre o consumo, como no Brasil.

O sales tax não é tão simples quanto se pensa. É preciso saber se certos bens serão usados para consumo ou para produção, caso em que o imposto não será cobrado. Se o consumidor fizer a compra pela internet e residir em outro estado, o imposto não será retido, a menos que o vendedor tenha uma presença física por lá, o que não é comum. Por essas e outras, o sales tax tem menor eficiência econômica, embora as características do federalismo americano dificultem a adoção de algo melhor, o imposto sobre o valor agregado (IVA), hoje adotado por cerca de 130 países.
A explicitação do sales tax na nota tem a ver, pois, com a método e não com a conscientização do contribuinte. Nos Estados Unidos, impostos sobre combustíveis, energia e outros não são explicitados na nota (seria quase impossível calculá-los). Na União Europeia, o IVA é obrigatório. Já residi lá e visitei vários dos países membros do bloco. Jamais vi o IVA explicitado em notas de compra.

No Brasil, o cálculo dos impostos ao consumidor seria tarefa inglória. Somos os campeões de tributação do consumo. Existem pelo menos seis distintas incidências: IPI, ICMS, Pis, Cofins, ISS e CIDE. O ICMS tem incontáveis alíquotas, decorrentes de suas 27 legislações estaduais. O sistema se complica com inúmeros regimes de tributação, isenções, incentivos, guerra fiscal e por aí afora. Não há como saber, sem o auxílio de elaboradas planilhas, quanto esse manicômio representa do valor pago pelo consumidor.

Se a explicitação dos impostos na nota viesse a ser aprovada, haveria enorme elevação dos custos de transação, derivada do aumento da complexa teia de normas e obrigações. No Brasil, as empresas gastam 2.600 horas anuais para cumprir obrigações tributárias (nos países ricos, menos de 200 horas em média).

Uma alternativa seria utilizar uma estimativa dos impostos pagos, como alguns sugerem. O inferno continuaria, pois a estimativa também exigiria cálculos complexos. Seria necessário saber como a mercadoria foi tributada no estado de origem, as diferentes alíquotas interestaduais do ICMS, se a CIDE incidiu menos na gasolina do que no álcool usado para transportar as mercadorias, se havia uma pequena empresa tributada pelo SIMPLES na cadeia produtiva e assim por diante.

Everardo Maciel, um dos nossos melhores especialistas, que tem vasta experiência como administrador tributário na União e em duas unidades da Federação, já se debruçou sobre a ideia e chegou às mesmas conclusões. Para ele, a medida acarretaria custos adicionais aos contribuintes, com “repercussão nula na consciência cidadã”. Everardo assinala que o ICMS já é explicitado nas contas de telefones e energia elétrica, mas pelo que se sabe, ninguém tomou alguma atitude contra o ônus. Isso sem falar nos riscos de questionamento judicial da estimativa, dada a nossa enorme propensão de recorrer ao Judiciário.

A ideia é boa em tese, mas custosa e arriscada. Devem existir formas mais eficazes de mobilizar a sociedade em favor da reforma tributária.

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