Economia
19 de out de 2011 , 16h38A ilegitimidade de operações do BNDES
O BNDES tem realizado operações sem legitimidade (embora legais), ainda que isso não deslustre o seu papel de fonte básica de financiamento de longo prazo. Ele continuará necessário, mesmo quando o mercado financeiro se tornar o grande provedor de crédito para investimento. É essencial, contudo, que atue legitimamente.
Dificilmente há país em que não exista crédito estatal. As nações desenvolvidas e algumas emergentes possuem instituições públicas para financiar o comércio exterior, em operações não atrativas ao sistema financeiro privado: as que envolvem riscos políticos e/ou merecem financiamento em condições especiais.
Mesmo nos Estados Unidos, onde os mercados funcionam bem, há organizações oficiais de crédito. É assim no crédito rural concedido pela Commodity Credit Corporation, a Rural Eletrification Administration e a Farmers Home Administration. A Small Business Administration fornece crédito a pequenas empresas. O Eximbank apoia as exportações. Há crédito oficial para estudantes. O novo plano de Barack Obama prevê um banco para a infraestrutura.
Algumas dessas organizações prestam garantias em empréstimos de bancos privados. Seus recursos proveem do orçamento federal. As taxas de juros das operações são pelo menos iguais às pagas nos títulos do Tesouro. Em casos excepcionais de taxas de juros mais baixa, o respectivo subsídio é incluído no orçamento aprovado pelo Congresso.
O crédito oficial americano é legal e legítimo. O do BNDES é apenas legal. Nos países democráticos, a ação pública deve ser avaliada sob os dois princípios e não apenas sob o da legalidade. Já no século XVII, o teórico social inglês John Locke (1632-1704) dizia que “a legitimidade política deriva do consentimento popular explícito e implícito”. Assim, o governo “não é legítimo se não for conduzido sob o consentimento dos governados”.
Para serem legítimas, as políticas públicas devem ser aprovadas por representantes eleitos, isto é, os membros do Congresso Nacional. A legalidade é mais formalista. Uma ação é legal quando exercida de acordo com a lei. O princípio da legitimidade foi construído para evitar o arbítrio, como o de realizar gastos públicos sem autorização legislativa ou impor medidas mediante o recurso à coerção. A linha que distingue os dois princípios nas democracias representativas é tênue e por isso é preciso zelar para que eles sempre estejam presentes nas decisões governamentais.
O BNDES realiza operações que destoam do princípio da legitimidade. Os respectivos recursos foram autorizados pelo Congresso, mas a forma de provê-los permitiu a reinstituição da famigerada “conta de movimento”, pela qual o Banco do Brasil recebia recursos diretamente do Banco Central e concedia subsídios sem anuência do Legislativo. O BNDES concede crédito a taxa de juros inferiores às pagas pelo Tesouro. O subsídio é, pois, inequívoco. Acontece que o benefício é atribuído pela burocracia do banco, sem transparência e sem o necessário crivo dos parlamentares.
O BNDES divulgou estudo em que questionava a existência do subsídio. Para o banco, a expansão de vendas propiciada pelos seus financiamentos produziria ganhos de arrecadação superiores aos benefícios implícitos no diferencial entre a taxa de juros paga pelo Tesouro e aquela que este recebe nas operações de suprimento de recursos ao banco.
Mesmo que os cálculos do BNDES estivessem corretos, a ilegitimidade permaneceria. Muitas outras ações governamentais resultam direta ou indiretamente na elevação do faturamento das empresas e da respectiva tributação. Se valesse o raciocínio do banco, o governo poderia considerar os respectivos ganhos de receita para gastar sem autorização do Congresso, de forma discricionária.
Em benefício do próprio BNDES e de sua burocracia, é preciso reverter o procedimento. Não se deve aceitar a realização de despesas públicas sem controle social e político. O Tribunal de Contas da União e a oposição deveriam agir no sentido de fazer com que os subsídios se tornem plenamente legítimos. Há que se exigir sua inclusão no Orçamento e uma prestação de contas perante o Congresso. É no mínimo civilizado proceder assim