Economia
4 de maio de 2008 , 16h12Grau de investimento: de quem é o mérito
Membros do governo buscaram faturar os louros do grau de investimento atribuído ao Brasil pela agência de classificação Standard & Poor’s, mas o mérito pertence a distintos grupos, inclusive o atual, em diferentes momentos da vida nacional.
O marco inicial é a democratização, malgrado os equívocos da Constituição de 1988. A democracia ampliou o debate, devolveu poderes ao Congresso, reforçou a independência do Judiciário e consolidou a liberdade de imprensa.
Abandonamos o nacional-desenvolvimentismo e construímos instituições econômicas propícias à estabilidade macroeconômica, sem a qual não cresce o investimento privado nem a economia.
A sociedade se tornou intolerante à inflação. A concessão de voto aos analfabetos deu voz a quem mais sofria seus efeitos nocivos. Os pobres passaram a eleger quem acabou com a inflação (FHC) ou evita que ela volte (Lula).
O Banco Central virou baluarte da estabilidade ao deixar de ser um provedor de crédito de fomento e de dividir as funções de autoridade monetária com o Banco do Brasil. Tais mudanças institucionais se devem às reformas de 1986-1988, como a extinção da “conta de movimento do BB”, a unificação do Orçamento e a criação da Secretaria do Tesouro Nacional.
A abertura da economia – iniciada no governo Sarney e acelerada no período Collor –, a criação do Copom (1996), a Lei de Responsabilidade Fiscal (2000) e o Plano Real (1994) são outros marcos dessa nova realidade. Entre 1998 e 1999, surgiram o câmbio flutuante, as metas para a inflação e os superávits primários.
O grau de investimento da S&P, que cedo será seguida por outras agências, é o reconhecimento inequívoco dessa notável trajetória de mais de vinte anos.
Lula contribuiu para esse resultado, menos pelo que fez e mais pelo que deixou de fazer. Ele abandonou idéias econômicas equivocadas e resistiu às pressões de seus companheiros para impor a “ruptura necessária”, título e mote do programa do PT para as eleições de 2002.
Hoje, ao surfar nas ondas da popularidade do Presidente, os petistas esqueceram os insistentes apelos para mudar a política econômica. O Diretório Nacional do PT a condenou várias vezes.
Contentes, petistas da equipe econômica e do Ipea não lembram o esforço para induzir Lula a determinar ao Banco Central que não elevasse os juros. Nem se recordam da usina de más idéias, felizmente frustradas por Lula, para se contrapor à política monetária (restrições ao crédito, novo regime cambial e quejandos).
Em seu comunicado, a S&P disse que o grau de investimento “reflete o amadurecimento das instituições e das bases das políticas públicas”. A estabilidade se ancora em “políticas pragmáticas e previsíveis, e em instituições muito transparentes.” Esses avanços, assinalou, lançaram “nos últimos cinco anos alicerces mais sólidos para o crescimento, o que deve continuar nos anos vindouros”.
Pode não ter sido o objetivo, mas a citação ao período de cinco anos registra o papel de Lula na conquista. Com seu pragmatismo, ele dá atenção aos críticos, consulta especialistas contrários à política monetária e ouve conselhos de gente do governo para abandoná-la. No final, prefere a autonomia do Banco Central, o trabalho de Henrique Meirelles e a colheita dos respectivos efeitos: confiança no País, inflação sob controle, mais crescimento e inéditos índices de popularidade.
A sorte ajudou Lula e o Brasil. É preciso reconhecer, todavia, que de nada adiantaria o favorável ambiente internacional do período, particularmente os altos preços das nossas commodities, se o Presidente não tivesse mantido os rumos econômicos que herdou de FHC.
O Brasil e a classificação de risco seriam outros, piores, se a intuição e a coragem de Lula não o tivessem feito escolher Antonio Palocci para seu primeiro ministro da Fazenda e não o desviassem da tentação de cumprir a promessa, tantas vezes reiteradas em campanhas eleitorais, de mudar a política econômica.
É cada vez menor o risco de o Brasil ser guiado pelo voluntarismo inconsequente. O grau de investimento é um primeiro passo. Novos patamares dependem de reformas. O Chile, mais avançado em suas instituições, está cinco degraus à nossa frente.
A nova classificação é um incentivo à preservação da política econômica responsável. Lula é parte na conquista.