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Economia

23 de set de 2015 , 13h49

Gastos públicos: a hora da verdade

Gastos públicos: a hora da verdade

Os últimos acontecimentos, incluindo o pacote fiscal anunciado no dia 14 passado, provaram que o orçamento federal ficou insustentável de vez. É preciso reconhecer o desastre e perceber que o futuro está sob ameaça se não enfrentarmos o problema estrutural, isto é, o tamanho inaceitável de despesas obrigatórias.A marcha rumo ao desastre começou nos anos 1980, piorou com a Constituição de 1988 e atingiu as raias do absurdo nos governos do PT. A culpa maior é dos petistas, mas a classe política tem sua parte. Ela teima em desconhecer o conceito básico de “restrição orçamentária”, pela qual os gastos não podem superar o limite das receitas e da capacidade de endividamento. Dinheiro não existe sempre.

Desde muito tempo, as finanças públicas seguem quatro princípios: unicidade (um orçamento único), universalidade (o orçamento inclui todas as receitas e despesas), anualidade (um orçamento a cada ano) e não afetação das receitas (não vincular receita a despesa).

No Brasil, apenas um princípio, o da anualidade, era observado. Talvez por ser óbvio. A partir de 1986, dois outros emplacaram, o da unicidade e o da universalidade. Isso foi possível graças à extinção do Orçamento Monetário e da “conta de movimento”, um dinheiroduto entre os cofres do Banco Central e o caixa do Banco do Brasil.

O princípio da não afetação nunca pegou. Vincular receitas a despesas é proibido desde a Constituição de 1967, mas houve ressalva para a educação. Em 1983, uma emenda constitucional vinculou 13% dos impostos aos respectivos gastos. Em 1988, aumentou para 18% na União e 25% nos estados e municípios. Em 2015, uma nova emenda constitucional vinculou 15% da receita líquida da União para a saúde, o que deve ser cumprido de forma escalonada até 2020.

Dois outros gastos obrigatórios existem há décadas: os de pessoal e os previdenciários (servidores públicos e INSS). De 4% do PIB em 1988, os gastos previdenciários saltaram para 12% do PIB. A soma dos gastos incomprimíveis representa mais de 90% da receita da União.

A explosão dos gastos previdenciários tem origem na Constituição, mas também nos aumentos reais do salário mínimo (SM), isto é, acima da inflação, nos últimos vinte anos. O SM reajusta hoje dois terços dos benefícios. No governo FHC, o aumento real do SM foi de 32,2%; nos governos do PT, 86,5%. No acumulado, 147%!

Os excessos de vinculação e gastos obrigatórios não têm paralelo no planeta. Até agora, o desastre foi disfarçado por quatro fatores: hiperinflação (que corroía mais as despesas do que as receitas), aumento da carga tributária, ampliação do endividamento público e combinação do bônus vindo da China com as reformas anteriores a 2003 (que ampliaram o potencial de crescimento e permitiram acomodar maiores despesas).

Além de contribuírem para o agravamento da situação previdenciária, os governos do PT aceleraram o crescimento dos chamados gastos sociais. Ninguém em sã consciência pode opor-se à maior assistência do Estado às classes menos favorecidas, mas é preciso que os respectivos gastos caibam no orçamento.
A hora da verdade chegou. Não há mais como disfarçar. A situação vai piorar com o envelhecimento populacional, o aumento dos gastos com saúde e a elevação das despesas na educação, que subirão, por lei, para 10% do PIB até 2024, uma insensatez à parte que merece um artigo exclusivo. Prometo.

Sem um forte ajuste estrutural, nosso futuro será negro. O colapso fiscal sepultará as chances de volta ao crescimento. O desafio é vencer grupos de interesse que conseguiram criar ou manter os gastos obrigatórios. A eles se alia o discurso fácil de que ajustes fiscais são feitos contra os trabalhadores e os pobres (é exatamente o contrário). Oxalá tenhamos, talvez no próximo governo, a liderança política requerida para empreender complexas reformas.
Enquanto isso, gostemos ou não, o momento justifica a elevação temporária da tributação, de preferência associada a propostas ou compromissos firmes de atacar o gasto obrigatório, imediatamente. Sem isso, correremos perigo de novos rebaixamentos da classificação de risco do Brasil e de uma piora drástica na economia, no emprego e no bem-estar.

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