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26 de maio de 2021 , 08h01

Ganhos e riscos da economia

Ganhos e riscos da economia

Forte desempenho pode frustrar-se com alta da inflação

A economia costuma recuperar-se fortemente após pandemias e guerras. Enquanto isso, incertezas e restrições à mobilidade impedem que se gaste. Buscam-se novas formas de agir, provocando em seguida transformações estruturais. O medo da crise e a redução de oportunidades de consumir e investir induzem à prudência. Poupa-se mais.

Durante a gripe espanhola (1918-1920), no dizer da revista The Economist, os americanos pouparam mais do que em qualquer tempo, salvo na II Guerra. Na época do conflito, a poupança alcançou cerca de 40% do PIB (18% em 2020). Agora, algo semelhante ocorre na pandemia de Covid-19. Na volta à normalidade, os gastos podem ser impulsionados pela dissipação das incertezas e pelo dinheiro acumulado. O investimento se expandirá. No pós-gripe espanhola, surgiu um ambiente de otimismo e entusiasmo.

Nos Estados Unidos e na Europa, os anos 1920 foram chamados de “the roaring twenties” (a estupenda década de 20, em tradução livre). Além da intensa recuperação do PIB, do emprego e da renda, sobreveio um robusto dinamismo nos campos social, artístico e cultural. Heróis do esporte e estrelas do cinema inspiraram novos estilos de vida. O jazz e a dança se popularizaram. Tradições foram rompidas. Tudo parecia possível pela tecnologia: automóveis, aviões, cinema, rádio, aparelhos elétricos, a difusão do telefone. Esse glorioso período interrompeu-se na quebra da Bolsa de Valores de Nova York (1929), por onde começou a Grande Depressão, dos anos 1930.

É possível que parte desse cenário se repita depois da atual pandemia. Prevê-se inédita recuperação sincronizada nos países desenvolvidos e na China. Nos Estados Unidos – onde estímulos oficiais injetarão 6 trilhões de dólares na economia – o PIB pode crescer 6,4% em 2021, na estimativa da Tendências Consultoria. Na China e na Europa, prevê-se expansão de 8,5% e 3,8%, respectivamente. O mercado de commodities já reflete essa realidade, com forte elevação de seus preços.

Em meio a essas perspectivas, a inflação preocupa. Conceituados economistas americanos apontam riscos inflacionários nos países ricos em razão da maior demanda derivada dos estímulos fiscais e da baixa taxa de juros. Do lado da oferta, os preços se elevam pela disrupção de cadeias produtivas globais – o que gera escassez de peças, partes e componentes – e pelas dificuldades para contratar trabalhadores. Nos Estados Unidos, em abril, o aumento de 4,2% nos preços ao consumidor em doze meses assustou os mercados. A inflação pode, pois, ameaçar o promissor desempenho da economia mundial.

O Brasil se beneficia da elevação dos preços das commodities, malgrado suas consequências inflacionárias recentes, agravadas pelo risco fiscal e pela desvalorização cambial. Se vier a temida inflação nos países avançados, isso nos prejudicará. O bônus decorrente do desempenho da economia mundial nos exporá aos riscos de súbito desaquecimento da economia. Fiquemos alertas.

Publicado em VEJA de 26 de maio de 2021, edição nº 2739

Leia mais em: https://veja.abril.com.br/blog/mailson-da-nobrega/ganhos-e-riscos-da-economia/

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