COLUNAS

Política

23 de mar de 2008 , 16h33

Gabeira capitalista: sinal dos tempos

Gabeira capitalista: sinal dos tempos

Ao ter oficializada sua candidatura a prefeito, o deputado Fernando Gabeira declarou que vai “desenvolver o Rio de uma forma capitalista”. No dia seguinte, o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, lamentou a venda da Cia. Vale do Rio Doce “infelizmente privatizada por um preço muito abaixo de seu valor”.

São dois mundos distintos. Gabeira, ex-guerrilheiro, conseguiu superar o paradigma socialista e entender o funcionamento e as limitações do capitalismo. O ministro, católico fervoroso e prisioneiro de visões do passado, não alcançou o mesmo. Parece não entender como opera uma economia de mercado. Não se deu conta de que o preço gerado em um leilão aberto e transparente, como o da privatização da Vale, é o correto e legítimo.

É por essas e outras que o Brasil ainda não é uma economia plena de mercado. O fato de não vivermos o infortúnio socialista de Cuba não quer dizer que já sejamos uma sociedade capitalista no sentido exato do termo. Há muito a andar até chegarmos lá.

Como mostrou Max Weber, formas de capitalismo existiam desde a Antiguidade. Walter Russel Mead assinala que o dinamismo do atual capitalismo começou a aparecer nas cidades-estado italianas nos séculos 14 e 15.

As condições para o surgimento do atual sistema capitalista foram criadas na Inglaterra do século 17, com as mudanças institucionais que extinguiram o absolutismo. Criou-se o ambiente favorável ao investimento privado, à assunção de riscos pelos empreendedores e à inovação. Os ingredientes básicos foram o Estado de Direito, a independência do Judiciário, direitos de propriedade bem definidos e respeito aos contratos.

A geração de riqueza foi estupenda. Em 1700, a Inglaterra possuía 6 milhões de habitantes e a França, 21 milhões. O PIB francês era o dobro do inglês. Pouco mais de um século depois, a Inglaterra se tornara potência e ganhara todas as guerras contra a França.

No século 19, a cultura do mercado estava consolidada nas sociedades anglo-saxônicas. A democracia se firmou. As duas se tornaram a chave para a geração sustentável de bem-estar.

O Estado – que se fortaleceu com a Revolução Francesa – foi fundamental para o sistema capitalista. Liquidou o feudalismo, separou-se da Igreja e criou regras do jogo estáveis essenciais para o mundo dos negócios. Nas proximidades do século 20, forjou as instituições de defesa da concorrência e mais tarde as de regulação de atividades como energia e telecomunicações. O sistema nunca foi apenas o livre funcionamento do mercado.

Na Europa continental, empresas estatais supriram a ausência das condições existentes no mundo anglo-saxônico. Mais tarde, quase todas foram privatizadas, inclusive os bancos.

Com a exaustão do nacional-desenvolvimentismo, o Brasil começou o caminho rumo ao sistema capitalista. Livramo-nos de três de seus principais demônios econômicos: a instabilidade política, a instabilidade econômica e a vulnerabilidade a crises externas.

A democracia se consolidou, malgrado suas imperfeições. O temido desastre de um governo petista foi exorcizado: Lula manteve a política econômica que garante estabilidade. A vulnerabilidade externa despencou, como provado ao longo da atual turbulência financeira nos EUA.

São baixos os riscos de retrocesso populista ou de ações funestas para reduzir na marra a taxa de juros, controlar capitais ou tributar as exportações. O desafio agora é gerar as condições para mais crescer e reduzir as desigualdades sociais e os níveis de pobreza.

Precisamos aumentar a produtividade mediante novos avanços institucionais na área microeconômica (especialmente nos tributos), privatização ousada na infra-estrutura e melhoria no ambiente de negócios. Há que eliminar o excesso de burocracia, rever a arcaica legislação trabalhista e conferir maior rapidez e eficácia às decisões do Judiciário.

Pouco ou nada dessa agenda acontecerá no atual governo, cheio de gente que professa crenças opostas. Eles defendem juros baixos e câmbio alto com fins “desenvolvimentistas”. Pedem mais intervenção. Querem que a Vale seja reestatizada. Felizmente, Lula não os ouve.

Cedo ou tarde, a saída se imporá: virão as mudanças para acelerar a transição do Brasil para o verdadeiro sistema capitalista. Gabeira percebeu os novos ventos.

← Voltar