COLUNAS

Economia

14 de jan de 2009 , 14h08

Fundo trapalhão

Fundo trapalhão

O chamado Fundo Soberano do Brasil – aprovado ao apagar das luzes de 2008 – começou errado e continuou atrapalhado. Antes, não tinha justificativa plausível. Agora, serviu para o governo atropelar o Congresso. Se vingar, será fonte de gastos sem transparência.

Em fevereiro de 2008, o FMI catalogou 35 fundos soberanos (FS). Um mês antes, a revista The Economist publicara matéria especial sobre o assunto. Ambos conceituam apropriadamente os FS como fundos estatais, constituídos mediante a transferência de reservas internacionais para investimento no exterior, em ativos de longo prazo.

Os FS representam poupança. Sua criação faz sentido na presença de (1) superávit nominal no setor público e/ou (2) superávit estrutural em conta-corrente no balanço de pagamentos. A condição (2) ocorre em países exportadores de petróleo, outra commodity relevante ou que, sem tais commodities, poupam mais do que investem (caso da China).

Se as reservas internacionais resultarem de excedentes de fluxos de capitais e não de superávits em conta-corrente (caso do Brasil), elas devem ser mantidas como tal e não servir de base para FS. Constituem um seguro para o caso de os fluxos se inverterem (como agora, por causa da crise financeira mundial).

O primeiro FS foi criado em 1953 pelo Kwait para reservar às gerações futuras uma parcela da receita de exportação de petróleo. Em 1956, a ilha de Kiribati, no Pacífico, fez o mesmo com o guano, o fosfato resultante de excremento de aves marinhas. Outros FS foram instituídos por produtores de petróleo (países árabes e Noruega). O FS do Chile tem base na receita do cobre e em superávits públicos nominais.

O Brasil exibe déficit em conta-corrente e déficit nominal no setor público. Não reúne as condições para criar o FSB. Além disso, o FSB investirá basicamente em empresas brasileiras, o que contraria um princípio elementar de diversificação de riscos. Os FS dignos desse nome aplicam seus recursos em ativos de empresas de outros países.

Quando do envio do projeto de lei do FSB em maio passado, o ministro da Fazenda destacou duas de suas finalidades: ação anticíclica (financiar investimentos no país) e barreira à valorização cambial (comprar moeda estrangeira). Nada parecido se pratica lá fora. Será mais uma jabuticaba, isto é, algo que existe apenas no Brasil.

Gastos públicos anticíclicos estão sendo programados em muitos países. Aqui, o certo seria fazê-lo mediante substituição de despesas correntes por investimentos. Até a oposição aplaudiria. O aumento puro e simples da despesa total implicará elevação do déficit nominal, podendo tornar o endividamento público insustentável. O país colheria efeitos colaterais indesejáveis, entre eles a queda de confiança dos investidores.

Uma estratégia anticíclica via FSB seria injustificável, pouco transparente e institucionalmente inadequada. Os gastos ocorreriam fora do Orçamento. O correto não é criar o fundo, mas propor, via projeto de lei, um programa de investimentos financiado com corte de gastos de custeio. O procedimento é o mesmo se os recursos se destinarem a ampliar operações de crédito oficial.

Tentar evitar a valorização cambial não tem lógica depois da recente maxidesvalorização. Já não fazia sentido antes. O valor do FSB é de menos de US$ 7 bilhões. Antes da crise, de 2007 a agosto de 2008, o Banco Central comprou mais de US$ 120 bilhões e não evitou que o dólar caísse para R$ 1,56. O FSB conseguiria?

Ao contrário do que se diz, o FSB não é poupança. Não virá de um “cofrinho”. Como falar em poupança se o fundo nasce de endividamento público? É gasto na veia, mesmo que venha a suprir recursos para operações de crédito do BNDES e outros bancos oficiais. Seus desembolsos diminuirão o superávit primário e aumentarão a dívida do Tesouro. É hora?

O fundo foi criado sem fundos, pois o Congresso não autorizou dotação para integralizá-lo. Merecia ter morrido, mas o governo lhe preservou a vida com uma medida provisória que transferiu a ele títulos do Tesouro. Elevou a dívida pública bruta, o que era proibido na lei de sua criação. Por isso, a oposição contestou sua constitucionalidade. Com a palavra, o bom senso e o STF.

← Voltar