COLUNAS

Política

18 de maio de 2008 , 16h08

Fundo o que?

Fundo o que?

Contrariando a quase unanimidade contra a criação de um “fundo soberano”, o ministro da Fazenda resolveu levar a proposta adiante. Provou, mais uma vez, que sua pasta é uma usina de más idéias.

O primeiro fundo soberano foi criado em 1953 pelo governo do Kwait com o objetivo de reservar para as gerações futuras uma parte da receita de petróleo, que um dia se esgotará.

A ilha de Kiribati, no Pacífico, criou o seu em 1956 para guardar uma parcela da receita de guano, o fosfato resultante de excremento de aves marinhas, utilizado para fabricar fertilizantes. As reservas de guano se esgotaram, mas não o fundo. Para a The Economist, uma renda anual de 10% fará o PIB da ilha crescer 16%.

Esses fundos se propagaram. Países muito dependentes de uma commodity se deram conta de que gastar as respectivas receitas geraria inflação e seria injusto com as futuras gerações. Foram os casos de produtores de petróleo (países árabes e Noruega), e de cobre (Chile, que também exibe superávits orçamentários nominais).

Mais recentemente, países com exportações diversificadas criaram fundos com objetivo distintos. Em vez de formar uma espécie de “fundo de pensão” com as receitas presentes, objetivaram o aumento da rentabilidade das reservas internacionais.

Tal ocorreu na China, na Coréia do Sul e em Twain, dados os superávits permanentes na conta-corrente de seus balanços de pagamentos. Acumularam reservas acima do necessário para enfrentar choques externos. Puderam então buscar rendimento maior do que a aplicação das reservas em títulos do Tesouro americano.

O Brasil não se enquadra em nenhuma dessas hipóteses, que certamente estão presentes nos 35 países que criaram fundos soberanos (a conta é do ministro da Fazenda). Por que o Brasil seria o 36% se não reúne qualquer das condições?

Segundo o ministro, o fundo será anticíclico. Perante jornalistas iniciados em economia, ele ensinou que o fundo será um “cofrinho” a ser “enchido” com o que exceder o superávit primário. “Com o excedente, colocamos dinheiro no fundo. É como um cofrinho. O que sobra do salário, coloca no cofrinho” explicou à atônita plateia.

Seria bom criar um fundo com tal objetivo se o governo gerasse superávits nominais no Orçamento. Ocorre o contrário. Há superávit primário, isto é, o que sobra depois do pagamento dos juros, mas permanece um déficit nominal. Política fiscal anticíclica é aquela que reduz o endividamento público. Com ou sem fundo soberano, a dívida pública continua expandindo-se. Assim, o atual movimento é procíclico.

O ministro teria razão se em vez de criar um fundo soberano agisse no sentido de cortar gastos até obter sobras efetivas no Orçamento. Os superávits reduziriam o endividamento do Tesouro, gerando o mesmo efeito anticíclico sem se criar um fundo de estabilização a ser gerenciado por um banco federal ou outras complicações.

O fundo em cogitação tem outros equívocos. Primeiro, vai aplicar seus recursos em papéis emitidos no exterior pelo BNDES e por empresas brasileiras. Concentrará seus riscos em um único país, o do proprietário do fundo. Desprezará uma regra elementar de diversificação de riscos de aplicações em moeda estrangeira.

Segundo, vai dar um “empurrãozinho” em quem já aprendeu a andar sozinho, sem a muleta do Estado. As empresas brasileiras que se espalham pelo exterior chegam lá por seus próprios pés, muitas vezes superando dificuldades que o Estado e a burocracia lhes impõem de fazer negócios lá fora.

Terceiro, ao contrário do que disse o ministro, o fundo não deterá a valorização cambial. Por exemplo, se comprar papéis emitidos pelo BNDES, as divisas reingressarão no mercado, pois o banco precisará dos correspondentes reais para os desembolsos associados aos projetos que financia por aqui.

O fundo poderia ter o objetivo de melhorar a rentabilidade das reservas internacionais, apesar da volta dos déficits em conta-corrente. Se assim fosse, o melhor seria orientar o Banco Central a separar uma parcela dessas reservas para sua aplicação em papéis de maior rentabilidade e razoável liquidez, emitidos por empresas sólidas de outros países, como fazem os fundos soberanos nos quais se inspira o ministro.

Não há espaço para apontar outros defeitos da ideia. Seja como for, ainda não vi quem tenha achado uma forma racional de justificá-la.

← Voltar