Economia
30 de jun de 2010 , 17h14Finanças federais: a volta às trevas
Com razão, muitos analistas têm mostrado que o governo esconde subsídios generosos a empresas, concedidos mediante o suprimento de vultosos recursos ao BNDES (R$ 207 bilhões até agora). Além disso, oculta o crescimento da dívida pública. As estatísticas oficiais dão a impressão de que a dívida não se altera com esse suprimento. Divulga-se a dívida líquida (a bruta menos o suprimento).
É a mesma situação de uma empresa que se endivida para financiar seus clientes e assim vender mais. Se os clientes não pagam, ela quebra. Como seu balanço não usa o método da dívida líquida, os bancos percebem o endividamento e lhe negam crédito. A empresa também quebra.
Nem o próprio governo sabe o custo dos subsídios. O Tesouro capta o dinheiro no mercado emitindo títulos – pelos quais paga atualmente juros de 10,25% ao ano – e o empresta ao BNDES cobrando muito menos. O subsídio é a diferença, que poderá ser maior ou menor dependendo da taxa de juros futura.
O BNDES transfere o grosso do benefício aos clientes que escolhe, via empréstimos a juros camaradas. Com muito dinheiro em caixa, o BNDES amplia as linhas de financiamento. Mesmo empresas que não precisam conseguem o dinheiro e o aplicam a juros mais altos. Ganham sem fazer força, à custa de todos nós.
O esquema escamoteia o custo da “modicidade tarifária”, uma estratégia para fazer crer que tarifas de energia e pedágios são mais baratas neste governo do que nos anteriores. Acontece que a rentabilidade de usinas como as do Xingu é incompatível com tal tarifa. O BNDES viabiliza a estratégia subsidiando o investimento das concessionárias. Haja distorção.
Isso se assemelha à “conta de movimento” do Banco do Brasil, que era suprida pelo Banco Central. Ao conceder empréstimos, o BB gerava emissão de moeda. O BC recolhia essa mesma moeda vendendo títulos públicos (não existia a Secretaria do Tesouro Nacional – STN). A expansão dos empréstimos virava dívida pública.
Imaginava-se, na época, que esses empréstimos não eram despesa pública, pois os recursos retornavam. Acontece que despesa na contabilidade pública tem um conceito próprio. Qualquer desembolso do Tesouro, mesmo que reembolsável, é despesa pública. É a forma de fazê-la passar pelo Orçamento da União e pelo crivo do Congresso.
Entre 1983 e 1984, o Ministério da Fazenda realizou amplo estudo sobre essas questões, incluindo propostas para modernizar as finanças federais. Com base nessas ideias, a “conta de movimento” foi extinta em 1986. Logo em seguida, outra daquelas ideias foi implementada, a criação da STN.
Em 1987, mais duas propostas vingaram: a extinção das funções de desenvolvimento do BC e a transferência, para a STN, da gestão da dívida pública. Em 1988, aboliu-se o Orçamento Monetário, por onde cursavam as operações do BB e semelhantes.
O estudo recomendou o fim dos subsídios via taxas de juros. O custo dos títulos do Tesouro seria o piso do crédito oficial. Caso o subsídio se justificasse, seu respectivo valor deveria constar do Orçamento aprovado pelo Congresso.
O objetivo dessa regra, adotada em muitos países desenvolvidos, era evitar que despesas pudessem ser realizadas sem autorização legislativa e sem transparência. O leitor deve ter percebido que nas operações com o BNDES, aqui analisadas, há um gasto público implícito no subsídio concedido ao banco pelo Tesouro.
Com as mudanças de 1986-1988, as finanças federais adquiriram estrutura institucional típica das existentes nos países avançados. O BC, livre de funções que não lhe deveriam caber, assumiu com êxito o papel clássico de um banco central, que se consolidou e depois da criação do Copom (1995) e o tornou internacionalmente respeitado.
É uma pena que a Fazenda, centro dos estudos que geraram uma transformação sem paralelo nas finanças federais, patrocine mudanças que permitirão ao governo gastar sem legitimidade o dinheiro do contribuinte.
Felizmente, graças àquela evolução institucional, se percebeu rapidamente os subsídios e seus efeitos negativos. O BC publicou estatísticas da dívida bruta, permitindo ver que o esquema a elevou em 10%. Novos ganhos ocorreriam se o Congresso revertesse o retrocesso.