Política
8 de mar de 2009 , 13h14Em defesa do direito de propriedade
“Ocupar fazenda de banqueiro bandido é dever do povo brasileiro”. Assim falou o delegado Protógenes Queiroz, que chefiou a operação Satiagraha da Polícia Federal. Com a tirada, em evento do PSOL, ele defendeu as ações do Movimento dos Sem-Terra (MST), que já invadiu pelo menos oito fazendas de Daniel Dantas.
Pior do que o soneto foi a emenda. “Não estou fazendo apologia criminosa de nada. Não estou incentivando ninguém a invadir terra produtiva. Estou falando que vou revelar em que condições essas terras foram adquiridas e quais os interesses escusos por trás disso”. Conclusão: ele será a fonte do direito de esbulho de propriedade alheia.
O direito de propriedade tem papel fundamental na promoção do desenvolvimento, mas ele só existe se for garantido pela lei, contra a ação predatória de governantes e saqueadores, açulados por visões arbitrárias como a do delegado.
O direito de propriedade está na origem do fascinante processo de crescimento e bem-estar dos últimos dois séculos. Antes, a propriedade (e não o direito a ela) havia sido discutida por distintos filósofos: Platão, Aristóteles, São Tomás de Aquino, Hegel, Hobbes, Locke, Hume, Kant e outros.
Já havia venda de propriedades na Suméria. Textos anteriores ao Código de Hamurabi previam penalidades contra o roubo. A idéia de propriedade está implícita no Sétimo Mandamento: “não furtarás”.
A propriedade é um conceito abstrato, que implica a posse de riqueza. Ela existe sobre um imóvel, um automóvel, um título de crédito, uma invenção patenteada (propriedade intelectual), etc. Seu complemento é o direito de propriedade, aquele reconhecido pelo ordenamento jurídico, que um Judiciário independente faz cumprir.
Segundo Armen Alchian, o direito de propriedade é uma forma de “atribuir a indivíduos a autoridade para escolher, em relação a bens específicos, qualquer utilização entre as classes de uso não proibidas”. Não é permitido cultivar maconha, estacionar um veículo em qualquer lugar e assim por diante.
O atual direito de propriedade nasceu nos séculos XVII e XVIII na Europa, na esteira de mudanças institucionais que aboliram o poder dos reis de confiscar bens ou de limitar o seu uso legítimo. Antes, os indivíduos não tinham segurança em relação a seus bens e respectivos frutos. Era baixo ou inexistente o incentivo ao investimento.
Com o direito de propriedade, os benefícios da atividade econômica, depois de pagos os tributos legítimos, passaram a pertencer inequivocamente a quem assume o risco de empreender. Pesquisas mostram que o acesso à casa própria constitui a maior aspiração das famílias pobres e de classe média.
Karl Marx e seus seguidores defenderam a abolição da propriedade privada, identificando-a como a fonte de todos os males sociais. A adoção dessa equivocada idéia foi, como se sabe, um enorme desastre. Daí o restabelecimento do direito de propriedade após o fracasso do socialismo soviético. Na China, mudança constitucional recente qualificou de sagrado esse direito.
A importância do direito de propriedade não foi de todo assimilada nos países de tradição ibérica. No Brasil, a Constituição menciona a “função social da propriedade”, conceito inexistente nos países anglo-saxônicos. Nestes, entende-se que a propriedade cumpre função social quando o direito a ela cria incentivos para sua utilização nos melhores e legítimos usos, produzindo o máximo de crescimento e bem-estar.
O conceito de “função social da propriedade” pode prestar-se a interpretações absurdas e criar riscos para quem empreende e investe. O mesmo se pode dizer da idéia de “propriedade rural improdutiva”, que tem permitido ao MST se arvorar o direito de invadir fazendas. Mesmo que uma propriedade fosse “improdutiva”, a desapropriação é uma violência exclusiva do estado, de acordo com a lei e mediante justa indenização.
O mesmo raciocínio se aplica aos imóveis de Daniel Dantas. Se provado que a propriedade deles é indevida, cabe ao estado, observado o devido processo legal, reparar o erro. Imaginar que um delegado teria o poder de autorizar o esbulho constituiria um desprezo a uma das grandes conquistas da civilização.