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Política

29 de jul de 2015 , 21h53

Em defesa da reeleição

Em defesa da reeleição

A reforma política em curso na Câmara revoga a reeleição do presidente, dos governadores e dos prefeitos. A ideia tem escassa justificativa. Atende mais aos interesses de políticos do que aos do país. Em vigor desde 1997, o instituto da reeleição ainda não foi adequadamente testado. Inovações institucionais desse tipo demandam tempo para resistir à prova de seu funcionamento e para amadurecer.

Nosso presidencialismo se inspirou no que foi instituído pela Constituição americana (1787). A Convenção de Filadélfia, que elaborou o documento, discutiu intensamente a criação do cargo e a duração do mandato do presidente. Na época, uma corrente de opinião defendia vedar a reeleição para todos os cargos. Argumentava que a regra favoreceria a corrupção e o autoritarismo.

Na Convenção, venceu a tese oposta, isto é, a dos fundadores do governo representativo, para os quais os eleitos deveriam ser socialmente superiores aos eleitores em riqueza, talento e virtude. Era o “princípio da distinção”, conforme assinala Bernardo Manin no livro The Principles of Representative Government (1997). O exercício de cargos públicos, então muito valorizado, era “um dos componentes da cidadania”. Por isso, a reeleição era vista como desejável e natural.

Alexander Hamilton, líder na Convenção e um dos pais fundadores da nação americana, admitia mandato perpétuo ou reeleição ilimitada, o que lhe valeu a acusação, sempre refutada, de propor a criação de um rei eleito. No livro Miracle at Philadelphia (1986), Catherine Drinker Bowen diz que, para Hamilton, a paz e a estabilidade nada ganhariam com meia dúzia de ex-presidentes “vagueando qual fantasmas descontentes, suspirando por um lugar que nunca mais teriam”.

George Washington, herói da Independência, comandante da Convenção e primeiro presidente americano, foi reeleito, mas resistiu a apelos para mais uma reeleição. O motivo teria sido a saúde (premonição à parte, ele faria 65 anos ao fim do mandato e morreria dois anos depois). Fala-se também que a ideia do terceiro período lhe parecia inconveniente, pois o faria uma espécie de monarca. Logo ele, que lutara contra o rei George III.

A norma não escrita prevaleceu, embora alguns presidentes tenham tentado candidatar-se, sem sucesso, ao terceiro mandato. Ela foi interrompida por Franklin Roosevelt, eleito quatro vezes (1932, 1936, 1940 e 1944). Sustentava-se então que a Grande Depressão e a II Guerra exigiam a continuidade. Por temer o precedente, o Congresso aprovou a emenda 42 (1947), estabelecendo o limite de dois mandatos, consecutivos ou não. O princípio da reeleição foi assim institucionalizado.

No Brasil, a primeira Constituição republicana (1891) adotou os ideais da Constituição americana, exceto quanto à reeleição para titulares do Poder Executivo, afinal proibida, salvo em pleito posterior ao término do mandato. Parece ter prevalecido o receio do exercício do cargo e do uso da corrupção para obter a reeleição, o que pode ter sido correto para o ambiente da época. Não para a atualidade.

Os defensores do fim da reeleição para o Executivo nas três esferas de governo alegam que a regra leva ao abuso de poder, constituindo fonte de corrupção e de políticas ruinosas associadas à busca da vitória eleitoral. Não é apenas pela reeleição, todavia, que governantes abusam do cargo. Podem fazê-lo para eleger sucessores, como ocorreu com as medidas adotadas por Lula para beneficiar a campanha de Dilma.

O instituto da reeleição não é a causa de episódios de corrupção ou de uso do poder público para garantir favorecimento eleitoral. A influência do governo no processo eleitoral decorre essencialmente das disfunções do intervencionismo estatal na economia, que provoca o mau funcionamento do mercado e cria oportunidades para a corrupção. O petrolão se tornou emblemático nesse sentido. É preciso, sim, criar mecanismos institucionais para coibir a prática. Mas acabar a reeleição é confundir efeito com causa.

A reeleição equivale a um mandato de oito anos com uma eleição no meio para confirmar ou não o governante, dependendo do seu desempenho. Sua revogação não melhora o sistema político. É proposta a ser rejeitada.

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