É para valer?
Os candidatos raramente indicam o custo de suas propostas
Comenta-se com frequência sobre promessas de campanha de Lula, admitindo-se que ele deveria dispor dos meios para cumpri-las, sem questionar sua viabilidade fiscal. Nem sempre, porém, tais promessas integram programas eleitorais bem elaborados. Eles constituem exigência de lei, mas raríssimos contêm ideias compatíveis com a situação fiscal do país. Muitos recorrem a platitudes para justificar compromissos grandiosos. Nas eleições passadas, Lula disse que somente apresentaria seu programa de governo se fosse eleito.
Nos países ricos, costuma-se valorizar programas eleitorais, que têm por hábito ser bem fundamentados. Indicam políticas a serem implementadas, se aprovadas nas urnas. Nas últimas décadas, 74% dos parlamentares americanos do Partido Democrata e 89% do Partido Republicano votaram em linha com os programas eleitorais de suas agremiações. Em 2017, o American Journal of Political Science publicou estudo indicando que partidos cumpriram boa parte de suas promessas em doze países (Alemanha, Áustria, Bulgária, Canadá, Espanha, Estados Unidos, Irlanda, Itália, Holanda, Portugal, Suécia e Reino Unidos).
Nas últimas eleições, o PT divulgou “diretrizes” para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil. Trata-se de um conjunto de ideias genéricas nas quais o partido assinalou que seu “horizonte é a criação de um projeto justo, solidário, sustentável, soberano e criativo para um Brasil que seja de todos os brasileiros e brasileiras”. Assumiu como primeiro e mais urgente compromisso “a restauração das condições de vida da imensa maioria da população brasileira – os que mais sofrem com a crise”. Promessas de políticas públicas permearam todo o texto, mas em nenhum lugar aparecem medidas para alcançar resultados, nem os respectivos custos fiscais ou sua viabilidade. Fica parecendo que bastaria vontade política.
Promessas eleitorais não são esculpidas em pedra, como parecem sugerir os que defendem o cumprimento daquelas feitas pelo PT em seus discursos de campanha. É o caso do benefício de 150 reais por filho de até 6 anos de integrantes do Bolsa Família e da ampliação de investimentos públicos. Dificilmente se examinou a sério sua oportunidade, conveniência ou factibilidade.
No mundo, há muitos exemplos de promessas que, integrantes ou não de programas bem estruturados, não foram cumpridas. Merecem destaque duas delas: (1) o primeiro-ministro da Austrália, Bob Hawke, prometeu, em 1987, que, em seu país nenhuma criança viveria mais na pobreza até o ano de 1990; (2) o presidente americano Barak Obama estabeleceu o compromisso, durante o pleito de 2008, de fechar a prisão de Guantánamo, que os americanos mantêm em Cuba. Na América Latina, é muito conhecido o “estelionato eleitoral”, quando um candidato eleito adota ideias contrárias às que apresentou na campanha.
Ainda vai demorar muito até que todos os partidos apresentem programas eleitorais dignos desse nome. Neste momento, é preciso parar de insistir que qualquer promessa eleitoral de Lula deve ser cumprida.
Por Maílson da Nóbrega Atualizado em 10 mar 2023, 18h27 – Publicado em 11 mar 2023, 08h00
Publicado em VEJA de 15 de março de 2023, edição nº 2832
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