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Economia

14 de dez de 2016 , 15h17

Direitos ou privilégios?

Direitos ou privilégios?

A proteção ao direito adquirido é uma grande conquista da civilização, mas no Brasil ela tem servido a outros fins. Corporações do serviço público conseguem vantagens mediante jeitinhos, pressões sindicais e leniência do Judiciário e da classe política. São direitos adquiridos injustos e pagos pelos contribuintes, inclusive os mais pobres.
O direito adquirido tem origem na Grécia e na Roma antigas. Foi lá que nasceu a garantia de direitos políticos aos cidadãos. Desde então, consolidou-se a percepção de que o indivíduo deve estar imune ao arbítrio do Estado e à tirania dos poderosos.

O conceito foi reforçado a partir do século XVIII com o Iluminismo, quando surgiu a organização social baseada nos direitos naturais do ser humano, como a presunção de inocência. No século XIX, começou a luta por direitos civis. Foram criados, entre outros, o direito universal de voto, o direito ao julgamento justo e o direito à educação pública fundamental. Com avanços e recuos, o direito adquirido tornou-se norma nas democracias.
À diferença e das liberdades civis, livres da ação opressiva, os direitos civis derivam de leis que garantem a cidadania e objetivam assegurar igual tratamento para todos, em especial grupos discriminados por suas características.

No Brasil, “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (Constituição, art. 5º, inciso XXXVI). Na opinião de respeitados doutrinadores, o direito adquirido deve ser consequência de “um fato idôneo a produzi-lo”, conforme o jurista italiano Carlo Francesco Gabba (1865-1920). Sem tal condição, esse direito não pode integrar o patrimônio de quem o adquiriu.

A aquisição inidônea de direitos por servidores públicos é prática comum no Brasil. Há também exorbitâncias previstas em lei, como os salários iniciais de servidores públicos federais concursados, de cerca de 30 000 reais por mês. No setor privado, um iniciante jamais ganhará tanto. Os funcionários públicos recebem em média mais do que o dobro do valor pago pelo setor privado. E gozam de estabilidade no emprego.

Até recentemente, vantagens brotavam de greves com garantia de pagamento dos dias parados. Isso decorria do despreparo dos negociadores do governo ou de decisões de juízes. As greves viravam férias adicionais. Providencialmente, o STF extinguiu a imoralidade.

A situação é pior nos estados. O recente exemplo do Rio de Janeiro é o efeito mais evidente da força dos sindicatos e do desleixo dos governantes. Lá, os gastos com ativos e inativos aumentaram sistematicamente muito acima da inflação. Mais de 98% dos juízes e procuradores recebem acima do teto constitucional (33 763 reais). E sabe o que a Bahia tem? Ali, uma atendente de recepção da Justiça, com salário-base de 5 052 reais, aparentemente excessivo para o cargo, aposentou-se com 27 891 reais. Em muitos estados, remunerações pelo exercício temporário de funções de confiança se incorporam aos vencimentos e tornam-se direitos adquiridos.

Desembargadores e juízes aposentados ganham mais de 100 000 reais por mês, acima do teto. Aposentadorias superiores a 50 000 reais são corriqueiras na União e em unidades da federação. O déficit anual das previdências estaduais passa de 75 bilhões de reais. O déficit atuarial, isto é, a dívida futura com os inativos, é de 4,7 trilhões de reais. Onde vamos parar?

Nenhuma dessas e de outras escandalosas vantagens que privilegiam marajás é justificável. Nos casos da inatividade, não decorrem de contribuições previdenciárias, como costuma acontecer em regimes sustentáveis de aposentadorias e pensões. Foram instituídas por pressões corporativas e falta de coragem para enfrentá-las. Não nasceram de forma idônea. Por isso, não devem ser preservadas, menos ainda diante da crise. É preciso enfrentar esse câncer com a aprovação de medidas legislativas para desbastar os excessos de supersalários e superaposentadorias. Além do mais, é imprescindível estabelecer restrições institucionais para prevenir a concessão de benefícios indevidos ao funcionalismo. Sem isso, dificilmente teremos futuro.

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