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2 de mar de 2008 , 21h17

Desmatamento, crédito e incentivos

Desmatamento, crédito e incentivos

Meu artigo de domingo passado, em que me manifestei contra a criação de restrições ao crédito para quem não cumpre regras ambientais, mereceu alguns elogios, mas a maioria das mensagens foi de condenação. Eu estaria defendendo os interesses dos bancos e o crescimento à custa do desmatamento. Houve insultos e um leitor, sem argumentos, recorreu à inflação mensal de 84% do tempo em que saí do governo.

Volto ao assunto para esclarecer melhor minha posição. Assinalei que as restrições transfeririam ao crédito a responsabilidade pela fiscalização das respectivas normas. Seria um retorno a regras dos anos 1960 (já revogadas), pelas quais se exigia a apresentação de certidões negativas de obrigações fiscais para conceder crédito rural.

Para muitos, faz sentido cortar o crédito dos que desmatam além do permitido. Como justificar, dir-se-ia, o fornecimento dos meios para destruir as florestas? Levado o raciocínio ao extremo, caberia proibir a venda de motocicletas para coibir assaltos e mortes provocados por motoqueiros criminosos.

Nem todos os burocratas estão preparados para lidar com questões complexas como a de estabelecer regras de preservação ambiental e dos recursos naturais. Erros semelhantes foram cometidos em países desenvolvidos, como nas normas para evitar a pesca intensiva e predatória, que ameaçava a extinção de espécies.

As saídas foram proibir a pesca, restringi-la a certos períodos ou limitar o número de barcos na atividade. Nenhuma funcionou. Pior, na limitação periódica, houve muitas mortes, pois os pescadores iam ao mar com qualquer tempo.

A melhor solução foi conceder direitos de propriedade aos pescadores, buscando preservar os cardumes via mecanismos de mercado. Criaram-se quotas de pesca mediante leilão. Novos entrantes precisavam comprá-las no mercado.

Permitir o acesso ao crédito somente aos que seguem as regras ambientais, como quer o governo brasileiro, é punir todos, bons e maus cidadãos. Todos terão que buscar certidões e incorrer em novos custos de transação. O potencial de corrupção certamente aumentará. Dada a essencialidade do crédito para manter e aumentar a produção, em especial na agricultura, as restrições poderão resultar em menos renda, produto e emprego. Será bom apenas para quem se estabelecer como despachante.

Ninguém de bom senso pode ser a favor de uma lei da selva para a exploração dos recursos florestais (sem trocadilho). Mesmo na China, onde havia deliberado objetivo de privilegiar o crescimento em relação a tudo o mais, o recente congresso do Partido Comunista anunciou que doravante o governo buscará o desenvolvimento “limpo”.

Os nossos burocratas bem que poderiam estudar a teoria dos incentivos, pois assim poderiam fazer regras que evitassem danos econômicos e sociais maiores do que os benefícios que imaginam gerar para o meio-ambiente. O certo seria premiar o comportamento adequado e não punir todos.

O Banco Real costuma cobrar juros mais baixos dos clientes que apresentem projetos viáveis de “sustentabilidade”. É uma estratégia inteligente, pela qual o banco ganha duplamente. Primeiro, corre menos risco (daí a taxa menor de juros). A experiência diz que quem age corretamente em relação ao meio-ambiente tende a cumprir também regras para o bom andamento de seus negócios. Segundo, contribui para a preservação ambiental e melhora sua imagem perante o público.

O governo poderia fazer algo semelhante. Em vez de adotar o critério da punição, restringindo o acesso ao crédito, preferiria o da premiação. Concederia um subsídio ou uma vantagem fiscal que implicasse redução dos juros para quem cumprisse as regras, considerando que isso gera maiores custos e menor retorno privado. Ao mesmo tempo, o retorno público – a preservação ambiental – é superior ao privado.

Haveria incentivos para o bom comportamento ambiental. A produção continuaria guiada pelos sinais de mercado e não pela burocracia.

Esses benefícios poderiam gerar corrupção e desperdícios, exigindo mecanismos eficazes de fiscalização e controle. Mesmo assim, seria uma saída bem melhor do que a decisão adotada pelo Conselho Monetário, quinta-feira passada, de obrigar os bancos a exigir certidões para a concessão de crédito rural. A resolução institui incentivo equivocado.

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