Economia
19 de mar de 2014 , 19h33A descrença no sistema de preços
O sistema de preços constitui elemento fundamental da prosperidade das nações. Nem sempre foi assim. Milênios se passaram para que fosse percebido o papel dos preços, que é emitir sinais para decisões de produzir e consumir bens e serviços, e para a distribuição da renda. Adam Smith (1723-1790) foi o primeiro a teorizar sobre o tema, no livro A Riqueza das Nações (1776).
Smith cunhou a metáfora da “mão invisível”, que guiaria os indivíduos na busca de seus interesses. Milhões produzem e consomem sem se conhecer entre si, sob a coordenação do sistema de preços, o que permite o melhor emprego dos recursos em seus distintos usos alternativos. Daí vem eficiência, que gera ganhos de produtividade, o motor por excelência da criação de riqueza e bem-estar. O mercado funciona.
Cinco séculos antes, São Tomás de Aquino (1225-1274) condenava a usura (a cobrança de juros) e a prática de preços mais altos, mesmo que devido a uma forte escassez. Ambas representariam o usufruto de renda sem esforço. Com o tempo, provou-se que os juros são a remuneração pela renúncia do uso presente de recursos, que são emprestados para que outros deles se utilizem com o fim de prosperar ou consumir. Os preços administram a escassez. Aquelas duas ideias inibiram por séculos o surgimento de um sistema financeiro e da economia de mercado.
A crescente complexidade da economia mostrou que há situações em que o sistema de preços não funciona. Monopólios e oligopólios podem dominar mercados e ditar preços, em detrimento do consumidor. O sistema de preços pode não emitir os sinais necessários, como na poluição do automóvel. Nenhum proprietário tem incentivo individual para instalar equipamentos antipoluição, que são caros. Nesses dois casos, cabe ao Estado intervir para estimular a competição e para obrigar as fábricas a instalar tais equipamentos.
Nos países comunistas, o sistema de preços foi substituído por controles a cargo de burocratas. Daí o fracasso do regime socialista, distante que era do ambiente de competição, inovação e produtividade.
A ideia do livre funcionamento de preços demorou a se enraizar nos países ibéricos e nos seus herdeiros da América Latina. As deficiências da industrialização por substituição de importações também atrapalharam. Sem competição externa, as empresas formavam monopólios e oligopólios, o que justificava o controle de preços. Estes mais tarde se ampliaram com a inflação crônica causada por excessos fiscais e monetários.
Nos anos 1990, a América Latina se livrou do drama da inflação elevada. No Brasil, o motivo foi o Plano Real, que se beneficiou da abertura da economia e de avanços nas áreas fiscal e monetária, as quais aumentaram a eficiência da economia, inclusive por mais competição. Agências reguladoras autônomas combatiam o poder de ditar preços nos serviços públicos privatizados.
O país passou a viver o funcionamento do sistema de preços. Leis específicas do governo João Goulart e do regime militar ficaram obsoletas. Melhorias na alocação do uso dos recursos aumentaram o potencial de crescimento e tornaram a economia mais atrativa ao capital privado, nacional e estrangeiro.
Acontece que a aceitação do papel do sistema de preços ainda não tem a receptividade que se imaginava. Recentemente, velhas visões reemergiram. Sem entender a missão dos preços na escassez – regular oferta e demanda, evitando o desabastecimento, mais importações ou o racionamento –, o governo interveio desastradamente na energia e nos combustíveis.
Antes, o estímulo ao mercado de automóveis elevou a demanda de combustíveis. Ao mesmo tempo, o maior poder de compra da classe média ampliou a demanda de energia. Em vez de usar a política fiscal e monetária para regular os dois surtos, o governo aumentou gastos e impôs a queda na taxa de juros. Exacerbou mais a demanda. Para piorar, baixou na marra as tarifas de energia e passou a controlar os preços da gasolina e do diesel. Novo impulso à demanda. Agora se colhem mais inflação e inúmeras distorções causadas por tais intervenções. O potencial de crescimento caiu. Uma explicação essencial para tão grande fracasso é a descrença no sistema de preços.