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Economia

30 de out de 2012 , 17h43

De volta às trevas orçamentárias

De volta às trevas orçamentárias

Os governos do PT ressuscitaram danosas práticas orçamentárias que haviam sido sepultadas na segunda metade dos anos 1980. Por elas, o ministro da Fazenda tinha o poder de aprovar despesas públicas sem prévia autorização legislativa, à moda medieval. Isso acontecia através de um orçamento monetário pelo qual eram transferidos recursos do Tesouro ao Banco do Brasil e ao Banco Central. Tais recursos provinham da venda de títulos públicos federais a taxas de juros de mercado. Nada se cobrava das duas instituições, que por isso podiam conceder empréstimos a taxas inferiores às do mercado e ainda assim auferir lucros. Qual a mágica?

Na verdade, esse esquisito arranjo institucional gerava uma despesa pública oculta, a qual, grosso modo,  decorria da diferença entre as duas taxas de juros, a dos títulos federais e a dos empréstimos. O gasto implícito nessas operações era coberto por novas emissões de títulos do Tesouro, numa espécie de rosca sem fim. Tratava-se, pois, de um orçamento paralelo, que permitia a expansão indefinida da despesa e da dívida, sem o conhecimento do Congresso e da sociedade. Acontece que esse processo subterrâneo manifestava seus efeitos na elevação do endividamento federal, na má alocação dos recursos e nas pressões inflacionárias.

Sob distintas formas, esse arranjo funcionou desde os tempos do Brasil colônia. Suas origens remontam ao absolutismo português, que sobreviveu por muito tempo à onda de reformas iniciadas na Europa no século XVII, as quais puseram fim ao arbítrio em questões orçamentárias. O poder de dispor sobre a despesa pública foi transferido ao parlamento, um passo fundamental na longa caminhada rumo à moderna democracia. O rei não podia mais gastar a seu talante nem declarar guerra – que exige o aumento de gastos – sem prévia autorização legislativa. Mais tarde, o orçamento viria a ser o mecanismo básico de planejamento das ações do estado e da promoção do desenvolvimento econômico e social.

Por força talvez das tradições herdadas da metrópole, o valor econômico, social e político do orçamento não se enraizou na sociedade brasileira. É amplamente aceita a ideia equivocada de que o orçamento é autorizativo. Salvo as despesas obrigatórias, admite-se que o Executivo pode não cumprir partes da lei orçamentária. Neste momento de crise, a Europa é exemplo a ser observado: os cortes de despesas associados a programas de austeridade fiscal foram previamente aprovados pelos parlamentos, inclusive o de Portugal.

A partir de 1986, o Brasil começou a adotar saudáveis princípios orçamentários. Extinguiu-se o orçamento monetário, o que pôs fim ao suprimento automático de recursos do Tesouro ao Banco do Brasil e ao Banco Central. Criou-se a Secretaria do Tesouro Nacional, que assumiu a gestão da dívida e do orçamento federais. A Lei de Responsabilidade Fiscal (2000) fixou regras para o controle da despesa e do endividamento da União. Subsídios e subvenções, explícitos ou implícitos, deveriam constar do orçamento aprovado pelo Congresso. Esse ciclo modernizante ainda precisa ser complementado com a reforma do antiquado processo de elaboração e controle do orçamento (Lei nº 4.320, de 1964), o que está em discussão no Senado.

Os governos do PT deram marcha a ré nessa trajetória. Passaram a suprir o BNDES de recursos via medidas provisórias que ampliam a dívida pública, como no passado. Têm contado, para tanto, com a omissão do Congresso, que renuncia às prerrogativas no processo orçamentário e chancela essa conduta. Como nos tempos antigos, o Tesouro transfere os recursos a taxas de juros inferiores às que paga aos detentores dos respectivos títulos. Recentemente, a manobra foi estendida ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal. Tal qual nas trevas do passado, o processo ressuscitado gera duas disfunções: (1) burocratas realizam gastos sem autorização legislativa; e (2) os subsídios implícitos nessas transações não constam do orçamento. Sem o registro dos respectivos gastos e sem transparência, dribla-se a fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU). Essa involução institucional precisa ser contida. Com a palavra, o Congresso e o TCU.

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