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Política

15 de jun de 2008 , 15h58

CSS e primitivismo

CSS e primitivismo

A aprovação da CSS pela Câmara foi uma exibição conspícua de primitivismo institucional. Sem novidade. O atraso sempre esteve presente no Orçamento e em decisões sobre outros tributos. Foi dominante na Assembleia Constituinte de 1988.

As questões fiscais motivaram as mudanças institucionais que livraram os cidadãos do arbítrio dos governantes, viabilizando o sistema capitalista contemporâneo e a democracia. Iniciados no mundo anglo-saxônico no século 13, os avanços se estenderam a outras plagas, mas no século 19 passavam ao largo dos domínios ibéricos. Demoram a chegar ao Brasil.

O marco pioneiro das mudanças é a Carta Magna de 1215, imposta ao rei João Sem Terra pelos barões feudais ingleses em reação ao aumento de tributos. Sob a ameaça de guerra civil, o monarca aceitou regras que o impediam de criar tributos sem o consentimento dos barões, reunidos em parlamento. Não haveria tributação sem representação. A ideia virou lema da Independência americana, que foi impulsionada pela rejeição à cobrança, pela metrópole, de impostos sobre o chá.

Pela Carta Magna, tributos criados somente seriam cobrados no exercício seguinte. Nascia o princípio da anualidade. Haveria exceção para o caso de necessidade de resgatar o rei das mãos de um poder estrangeiro ou de fazer cavaleiro o seu primogênito. Em 1688, a Revolução Gloriosa deu o poder supremo ao Parlamento. Os gastos públicos passaram a depender de prévia autorização legislativa, via Orçamento.

Nos EUA, que herdaram essas tradições, o Orçamento é levado muito a sério. As repartições públicas mandam servidores para casa se o Congresso não tiver autorizado dotação suficiente para pagar seus salários.

Nos países de boas instituições fiscais, aprovar o Orçamento é a principal missão do parlamento. É através dele que se fixam as prioridades das políticas públicas, visando ao desenvolvimento e ao bem-estar geral. Daí por que o exercício fiscal no Hemisfério Norte coincide com o período do verão e não com o calendário e as festas de fim de ano. Os parlamentares entram em férias depois de aprovar o Orçamento.

Portugal não viveu essas transformações. Lá, os recursos do rei se confundiam com os do Tesouro. O Orçamento não tinha a relevância observada em outros países. Quando a família real se transferiu para o Brasil, D. João VI, o príncipe regente, governava sob o absolutismo. A corte era uma das mais atrasadas da Europa. Aí estão as nossas origens fiscais.

Até hoje, ainda não sabemos valorizar o Orçamento. O desprezo começa com os parlamentares, que adoram criar vinculações de receitas a despesas, como na educação. As vinculações constituem forma canhestra de estabelecer prioridades e impedem que os futuros legisladores tomem suas próprias decisões. Já o arbítrio tributário é consagrado na Constituição quando permite criar tributos arrecadatórios por decreto (IOF). Vários tributos são cobrados no exercício em que forem criados ou aumentados.

Com o consentimento do Congresso e da opinião pública, o Executivo interpreta que o Orçamento é “autorizativo”. Mais de três séculos depois da Revolução Gloriosa, o Presidente pode decidir se cumpre ou não o Orçamento. Salvo as despesas obrigatórias, ele escolhe o que gastar.

Nas discussões sobre a emenda 29, vários parlamentares defenderam a criação de um tributo específico para financiar os gastos com a saúde, o que representa rematada ignorância em questões fiscais. Qualquer iniciante na matéria sabe que tais despesas devem ser cobertas por tributos gerais. Se a ideia valesse, seria preciso criar um tributo para a educação, outro para a defesa, outro para a Justiça e assim por diante. A barafunda imporia custos adicionais à sociedade e inibiria o desenvolvimento.

Essa visão equivocada foi base para justificar a CSS. Além disso, o projeto de regulamentação da emenda 29 que havia sido aprovado no Senado criava uma nova vinculação de recursos para a saúde. Como se vê, a animadora modernização mental que ocorre em muitos segmentos da sociedade brasileira está longe de chegar a certos recantos do Congresso Nacional.

Felizmente, a CSS pode ser barrada no Senado. Com a maioria de apenas dois votos na Câmara, o projeto chega fraco ao Senado. Se passar, cairá no Supremo, pois é inconstitucional. A Câmara pelo menos eliminou a vinculação.

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