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Política

13 de abr de 2008 , 16h20

Crise no balanço de pagamentos?

Crise no balanço de pagamentos?

Deu no “Valor”: a Fazenda busca o consenso no governo para a idéia de mudar a política econômica. Sua fonte teria informado que é preciso evitar uma crise no balanço de pagamentos provocada pela valorização cambial e suas supostas conseqüências: aumento das importações, queda das exportações e volta do déficit em transações correntes. Estuda-se, assim, criar um regime de metas de câmbio.

Como em outras vezes, o ministro negou. “Mudar seria ruim, seria negativo, seria mudar um sistema que está funcionando por outro que seria uma aventura. Não temos essa proposta” (“Valor”, 3/4/2008). “Isto é um disparate”, disse à Agência Estado. O presidente Lula tolerará um aumento da taxa Selic? “O Copom tem autonomia para avaliar a questão do juro.”

Ficou a dúvida. Ninguém acredita que o “Valor” tenha inventado a notícia. Quem conhece como funciona o governo e como notícias são plantadas, intui que algum figurão do ministério falou do assunto ao jornal.

A Fazenda não está sozinha no diagnóstico. Há mais gente alertando para o risco de crise no balanço de pagamentos se a política econômica não for mudada. Economista ligado à Fiesp propôs um regime de bandas de câmbio à moda chinesa. Outro disparate.

Por trás dessas idéias há um equívoco elementar: o Brasil não corre o risco de crise pelo canal do comércio exterior. É assim nos países que adotam os regimes de câmbio flutuante e nos quais o banco central disponha de autonomia para preservar a estabilidade dos preços via manejo da taxa de juros.

O erro parece ter origem na dificuldade de perceber a dinâmica inaugurada com a abertura da economia, a estabilidade macroeconômica e o regime de câmbio flutuante. Crises anteriores vieram pela via do comércio, mas era a época da economia fechada, da inflação alta e do câmbio fixo.

O câmbio fixo dificultava o ajuste gradual da taxa de câmbio quando a balança comercial se deteriorava e a inflação era alta, como nos anos 1980 e 1990. Como sabia avaliar os efeitos inflacionários da desvalorização, o governo resistia a fazer ajuste no câmbio. Preferia recorrer a medidas administrativas. Buscava reverter a situação mediante controles de importações, restrições à saída de capitais e incentivos pontuais à exportação.

O regime cambial era levado à situação limite. A crise chegava. O governo se rendia e promovia uma maxidesvalorização. A inflação explodia por causa da combinação do respectivo choque de custos com a ampla indexação da economia. Caíam o nível de atividade, o investimento, o emprego e a renda. O ajuste externo acontecia, mas a custos econômicos e sociais elevados.

Na última crise desse tipo (1999), o Brasil havia desmontado anacrônicos controles de capitais e permitido razoável liberdade nos fluxos externos. Por isso, assistimos a um novo fenômeno entre nós: o ataque especulativo contra a moeda. O governo respondeu com a flutuação do câmbio, o último passo dessa longa saga.

A economia resistiu à forte desvalorização por quatro razões: a bem sucedida desindexação do Plano Real, o saneamento do sistema financeiro pelo Proer, o ajuste fiscal e o novo regime de metas de inflação, perseguidas por um Banco Central dotado de autonomia crível.

Agora, se o saldo comercial piorar de forma contínua, o câmbio se depreciará naturalmente. O ajuste será suave. Se necessário, o BC eleva a taxa de juros. Não existe maxidesvalorizações, ataques especulativos ou fugas incessantes de capitais. Crises no balanço de pagamentos ocorrerão se houver forte aversão ao risco, que interrompa o fluxo de recursos externos e/ou provoque grandes saídas de capitais.

Ironicamente, a crise no balanço de pagamentos poderia ocorrer se viesse o novo regime cambial, que implicaria a derrocada do regime de metas de inflação e da autonomia do Banco Central. Uma perda súbita de confiança seria o estopim de enorme fuga de capitais. Uma desvalorização cavalar traria de volta a “desgraça” da inflação (apud Lula).

Mais tarde, viria o ajuste externo, mas à custa de mais inflação e de perda do produto, da renda e do emprego. Seria um sucesso à moda antiga. O preço seria a queda de bem-estar e a perda de popularidade do Presidente.

Ao que parece, Lula sabe ouvir opiniões contrárias a tais idéias e avaliar seus efeitos sociais e políticos. Daí os constantes desmentidos. Até quando?

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