Economia
5 de maio de 2010 , 17h29Crise europeia: esquerda velha está órfã de novo
A esquerda velha vibrou com a crise financeira mundial. Orfã do socialismo real soviético – que desmoronou com o Muro de Berlim – pensou que voltava às boas. A intervenção estatal salvara bancos e criara demanda via gastos públicos. Para o assessor internacional de Lula, “ele (o estado) aparece como a única resposta confiável à irracionalidade econômica para a qual foi conduzida a humanidade pelos mercados”.
A tese não se confirmou e dificilmente se confirmará. O estado não assumiu nem assumirá papel novo na economia. Suas funções de regulador do sistema financeiro é que serão revistas, como ocorreu após as crises financeiras que irromperam em média a cada dez anos desde o século XVII. A ação estatal na crise seguiu os manuais de economia.
Ninguém de bom senso – de direita ou de esquerda – defendeu o retorno do controle estatal de bancos ou de empresas de siderurgia, transporte, comunicações, mineração, aviação e outras, como era o caso em muitos países até a onda de privatização dos anos 1980 e 1990. No Brasil, seria voltar ao controle estatal das telecomunicações e até mesmo de hotéis e do trenzinho do Corcovado.
A turma que adora o estado, aboletada no governo Lula, enxerga o contrário. A turbulência despertou arcaicos instintos. Gastos permanentes aumentaram, quando despesas temporárias é que se justificam como ação anticíclica em crises como a atual. Juras de amor foram feitas ao “estado forte”. A dívida do Tesouro se elevou para ampliar o crédito subsidiado do BNDES. O cadáver Telebrás será ressuscitado.
Houve clara má interpretação das ações dos países ricos durante a crise. A ideia nunca foi restabelecer o velho intervencionismo, mas evitar uma depressão como a dos anos 1930. Entre 1929 e 1932, o PIB americano caiu 30%. A produção industrial recuou 47%. Ficaram desempregados 25% dos trabalhadores. Estudos posteriores evidenciaram as três causas básicas do desastre. Não havia como errar de novo.
A primeira causa foi a contração da política monetária do Fed (o banco central americano), que provocou a quebra maciça de bancos: 9 mil dos 25 mil estabelecimentos faliram naquele período, em meio a corridas para sacar depósitos. Resultado: brutal contração do crédito, da atividade econômica e do emprego.
A segunda foi a visão então prevalecente, de valorizar o equilíbrio orçamentário. Mais tarde, Keynes provaria que o certo teria sido aumentar despesas e conviver com o déficit público. A queda de confiança contrai o consumo e do investimento privados. Cabe ao estado gastar para suprir essa deficiência e se retrair na volta à normalidade.
A terceira foi a aprovação da lei Smoot-Hawley (1930), que aumentou as tarifas de importação de mais de 20.000 produtos. A ideia, equivocada, era enfrentar a crise via proteção à indústria americana. A retaliação à medida gerou uma onda protecionista que fez despencar o comércio mundial. A crise se agravou.
As lições foram aprendidas. O Fed agiu vigorosamente e evitou a falência de bancos em cadeia. Os gastos públicos aumentaram o equivalente a 10% do PIB. Os líderes do G20 se comprometeram a não recorrer ao protecionismo. A recessão nos países ricos durou dois anos e meio, e não os dez anos da Grande Depressão. Os países emergentes se saíram melhor ainda.
Em artigo recente, Barry Eichengreen e outros sustentam que ações como essas, se adotadas em 1929 e 1930, teriam evitado o aumento do desemprego, que contribuiu para a eleição de Hitler em 1933 (www.nber.org/papers/w15524). Ocorre que tal reação elevou o endividamento público a níveis sem precedentes em períodos de paz. Na média, segundo o FMI, a dívida desses países atingirá 120% do PIB em 2014.
Assim, a intervenção para vencer a crise gerou um endividamento insustentável na maioria dos países ricos. A Grécia foi o pior caso, mas o problema atinge outros países da União Européia, os Estados Unidos e o Japão. O ajuste, inevitável, implicará anos de baixo crescimento em muitos deles.
Quem comemorava a volta do antigo intervencionismo terá que conter o entusiasmo. A dívida desses países será reduzida. O estado diminuirá de tamanho e não o contrário. A velha esquerda continua órfã.