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Economia

11 de mar de 2009 , 13h57

Crise: como chegamos a este ponto?

Crise: como chegamos a este ponto?

Essa pergunta não cala. O desastre aconteceu nas barbas de multidões de analistas financeiros, economistas, comentaristas, banqueiros, reguladores. Pouquíssimos previram a crise. Sofisticados modelos de avaliação de riscos falharam. Como entender?

Uma saída tola é culpar o neoliberalismo. A crise teria sido efeito da crença cega no mercado. Ocorre que não existe livre mercado no sistema financeiro. Na verdade, o detonador da crise nasceu de intervenção do estado, qual seja a norma pela qual se financiou a casa própria para milhões de americanos sem condições de pagar.

Analistas de esquerda adoram apontar a desregulação. A culpa seria da revogação do Glass-Steagall Act, no governo de Bill Clinton. Essa lei, dos anos 1930, separava as atividades de banco comercial das de investimento, mas ficou gagá com a sofisticação e a globalização dos mercados. Penalizava os bancos americanos.

Crises existem desde que o atual sistema financeiro nasceu por volta do século XVII. Foram mais de trezentas, em média uma por década.

O sistema opera alavancado: empresta mais do que seu capital. Atua descasado: o prazo dos empréstimos é maior do que o dos recursos captados. Ao calcular riscos e selecionar clientes, contribui para o melhor uso dos recursos e assim para aumentar a produtividade.

Tudo isso turbina a economia, mas sujeita o sistema a crises periódicas. Surgem bolhas financeiras. Como sempre, as lições costumam ser ignoradas. A regulação não consegue antecipar riscos das inovações.

Felizmente, entre as crises o mundo progride. Até porque elas são prova da inventividade, da curiosidade e do gosto pelo desafio que marcam a experiência humana. Depois das crises, a regulação se renova. Até a próxima crise.

O mau diagnóstico pode gerar má regulação e inibir as inovações. Assim, o correto é buscar explicações como a do longo período de alta liquidez e juros baixos (o mesmo de outras crises). A liquidez aumentou com o excesso de poupança da China, da Rússia, do Brasil e de outros países. Juros baixos vieram da reação do Federal Reserve ao estouro da bolha das empresas de tecnologia e aos ataques terroristas em 2001.

Tal qual em outras ocasiões, a prudência foi relaxada e surgiram incentivos perversos geradores de comportamentos irresponsáveis. Crises seriam coisa do passado. Os modelos de avaliação apontariam os riscos com precisão. Enquanto isso, o sistema de remuneração premiava o risco excessivo. Polpudos salários e bônus eram pagos, mesmo se as operações se tornassem ruinosas.

Os bancos erraram. Os reguladores falharam. Foi o caso da resistência de Alan Greenspan em regular os derivativos. Mas houve outras falhas, especialmente porque os reguladores dificilmente chegam à frente dos problemas. São menos talentosos (e menos remunerados) do que os que geram inovações e aprendem a contornar as limitações das normas.

Não foi apenas uma questão de ganância, como se diz. Valeu mais a defeituosa calibragem dos riscos. Os bancos foram influenciados por uma década de bons resultados (a Era de Ouro). O exagero na assunção de riscos, que quebrou muitos, se originou de falhas nos testes realizados com base em premissas e modelos de avaliação insuficientes.

Em estudo recente, o diretor do Banco da Inglaterra, Andrew Haldane, deu interessantes razões para tais falhas. Uma delas é a miopia face ao desastre. Significa a propensão a subestimar a probabilidade de eventos adversos, especialmente dos tipos ocorridos em passado distante. Motoristas reduzem a velocidade quando presenciam um acidente, mas tendem a acelerar quando o desastre fica mais distante na sua memória.

Haldane afirma que a excessiva confiança deu lugar à arrogância e à cegueira coletiva quanto aos riscos, que afetou reguladores, banqueiros e analistas. O estudo está disponível em www.bankofengland.co.uk/publications/speeches/2009/speech374.pdf.

O papel desses estudos não é buscar culpados, mas mapear a dinâmica da gestação da crise, como ocorre em desastres aéreos, os quais não acontecem por uma única causa. Medidas para evitar a repetição dos erros não podem basear-se em visões moldadas por preguiça mental ou por ideologia.

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